Alter do chão
Alter do chão (Fonte: Até onde eu puder ir, 2025)

Artesanato, cultura e biodiversidade nos territórios do Tapajós

O coração da Amazônia pulsa forte em Santarém e Alter do Chão, no Pará, onde os rios Tapajós e Amazonas se encontram e formam um dos cenários naturais mais deslumbrantes do Brasil. Santarém, uma das cidades mais antigas da Amazônia, é conhecida como a “Pérola do Tapajós”, e encanta visitantes com sua história, praias de água doce e rica cultura local. Já Alter do Chão, a cerca de 30 km dali, é um dos destinos turísticos mais procurados da região Norte, famosa por sua praia fluvial de areia branca e pelas águas cristalinas que, na época da seca, revelam paisagens dignas do Caribe. A combinação entre beleza natural, cultura popular e hospitalidade das comunidades locais transforma esse território em um polo de turismo consciente e imersivo.

 

Artesanato Yudjá Juruna
Artesanato Yudjá/ Juruna (Foto: José Neto, 2025)

Muito além dos atrativos naturais, Santarém e Alter do Chão guardam uma riqueza ainda mais profunda: o artesanato amazônico produzido pelas mãos das comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas da região. Há séculos, esses saberes traduzem a floresta em arte. Por ali, o trabalho artesanal é muito mais do que um ofício. Trata-se de um elo entre a ancestralidade e o presente, uma forma de resistência cultural e, para muitos, a principal fonte de sustento. A cerâmica tapajônica, as cuias ornamentadas e os trançados do Arapiuns são expressões genuínas de um conhecimento passado de geração em geração, adaptando-se ao mundo contemporâneo sem perder sua essência.

 

Cerâmica Santarém: Vaso de Gargalo
Cerâmica Santarém: Vaso de Gargalo (Foto: Terra Brasilis Didáticos)

 

 

Turismo, selo de autenticidade e o artesanato como experiência

O turismo tem desempenhado um papel importante na valorização do artesanato amazônico. Eventos como o Festival dos Botos aproximam visitantes dos artesãos locais. Essa interação direta permite conhecer o processo de produção e a história por trás das peças.

 

Festival dos Botos
Festival dos Botos (Foto: Agência Amazônia, 2024)

Entretanto, o mercado de lembranças turísticas é afetado por produtos industrializados, assim o selo de autenticidade tem sido uma estratégia para preservar os saberes ancestrais e diferenciar peças genuínas. Iniciativas como as da Artesanato do Pará e do CRAB garantem reconhecimento aos artesãos (CRAB Sebrae, 2024).

Oficinas e turismo imersivo: aprendendo com os saberes

Em Santarém e Alter do Chão, oficinas de cerâmica e trançados permitem experiências imersivas. Aprender a moldar a argila exige conhecimento das propriedades do material e de sua preparação. A queima em forno a lenha confere acabamento singular às peças (Museu Paraense Emílio Goeldi, 2024). Esse tipo de turismo fortalece o artesanato como fonte de renda e ferramenta de educação ambiental.

É o caso do Ateliê Arte Tapajônica, tocado pelo exímio Artesão Jefferson de Paiva. Em seu espaço é possível agendar oficina de cerâmica e aprender tudo sobre peças antigas dos povos que ali viveram, já que o ceramista é formado em arqueologia e hoje faz mestrado na área para aperfeiçoar seus estudos e práticas.

Para mais informações entre em contato pelo endereço: https://www.instagram.com/artetapajonica

Jefferson, de azul, dando oficina de cerâmica tapajônica
Jefferson, de azul, dando oficina de cerâmica tapajônica (Foto: Instagram Jefferson Paiva, 2021)

 

Trançados do Arapiuns: fibras e saberes da floresta

Às margens do rio Arapiuns, no coração da Amazônia paraense, a floresta não é apenas paisagem: é mestra, matéria-prima e guardiã. Nas comunidades ribeirinhas de Vista Alegre, Nova Pedreira e Coroca, um saber antigo se entrelaça ao presente por meio de mãos que trançam, tingem e transformam. São os Trançados de Arapiuns, expressão artesanal de origem indígena que resgata modos de fazer ancestrais com sofisticação e identidade. A palha do tucumã-piranga, cuidadosamente beneficiada após a retirada dos espinhos, ganha cor com tinturas naturais extraídas de folhas, raízes e frutos da mata — jenipapo, crajiru, urucum, açafrão. Cada cesto, mandala ou bolsa carrega os tons da floresta e os desenhos do território, aplicando tranças como a grega ou o ponto aberto com precisão artesanal. Mais do que objetos, essas peças são portadoras de memória viva e resistência cultural.

O trabalho coletivo, iniciado por 10 mulheres em 2004, consolidou-se como referência nacional e internacional. Hoje, a Associação dos Artesãos e Artesãs das Comunidades do Rio Arapiuns (AARTA) reúne mais de 45 integrantes, que conciliam o artesanato com atividades de pesca, extrativismo e ecoturismo. A loja da sede atrai visitantes do mundo todo, enquanto o grupo coleciona reconhecimentos como o prêmio Top 100 do Sebrae — recebido três vezes — e o título de Sebrae Mulher de Negócios para sua fundadora. Nos Trançados de Arapiuns, o que se entrelaça não é apenas fibra, mas a força da coletividade, a inteligência da natureza e a permanência da cultura.

 

Peças da TURIARTE
Peças da TURIARTE (Foto: Instagram Turiarte, 2022)

A Trançados de Arapiuns e a TURIARTE – Cooperativa de Turismo e Artesanato da Floresta, são dois grupos produtores abertos à visitação, e você ainda pode passar o dia no território, conhecer suas peças e aprender sobre todas as iniciativas associadas como a proteção dos quelônios, apicultura, passeios na floresta, etc.

Para mais informações:
https://www.instagram.com/turiarteamazonia/ e https://www.turiarte.com.br/
https://www.instagram.com/trancadosdoarapiuns/

 

Mãe, filha e neta trançam palha de tucumã no Rio Arapiuns.
Mãe, filha e neta trançam palha de tucumã no Rio Arapiuns. (Foto: CASA CLAUDIA, 2022)

 

Arte popular ancestral: cerâmica e cuias como patrimônio

A cerâmica tem raízes profundas na cultura dos povos Tapajós, que habitavam a região antes da chegada dos europeus. No Museu de Santarém, é possível encontrar artefatos arqueológicos que demonstram a complexidade da cerâmica tapajônica e marajoara, com grafismos sofisticados e formas que remetem à fauna e à espiritualidade indígena (Museu João Fona, 2024).

As cuias ornamentadas, produzidas principalmente pelas comunidades de mulheres ribeirinhas, representam um dos maiores símbolos do artesanato amazônico paraense. Colhidas diretamente das árvores, passam por um processo minucioso de limpeza, secagem, tingimento e pintura. O urucum confere tons avermelhados, enquanto o jenipapo é usado nos traços negros (Rede Artesol, 2023).

É possível encontrar o trabalho em cuias na Associação de Artesãs Ribeirinhas de Santarém (Asarisan). Aproximadamente 20 mulheres, distribuídas em cinco comunidades na região de Aritapera, produzem as Cuias Aíras, de forma tradicional e inovadora. Para mais informações acesse os links abaixo:

Principal

https://www.instagram.com/cuiasaira/

 

Mulher produzindo cuia aíra tradicional
Mulher produzindo cuia aíra tradicional (Foto: Site Cuias Aíra)

A produção artesanal exige manejo consciente dos recursos naturais. O uso de argila, cuias, fibras e pigmentos deve respeitar a biodiversidade. Comunidades têm adotado o reflorestamento, reaproveitamento de materiais e tingimentos sustentáveis (Artesanato da Amazônia, 2024). Apesar disso, os desafios persistem: falta de incentivos, acesso limitado a mercados e concorrência com produtos industrializados. Ainda assim, a visibilidade de mestres artesãos tem fortalecido o setor.

Guardiões da floresta: os mestres artesãos do Tapajós

Do barro vermelho das margens do Tapajós às fibras trançadas com tinturas da mata, o artesanato de Santarém e Alter do Chão é uma expressão viva da Amazônia, moldada por mãos que conhecem os ciclos da floresta e respeitam seus ritmos. Mais do que objetos, as peças carregam o tempo, o silêncio dos rios, o perfume das cascas e a sabedoria de quem aprendeu a transformar a natureza em cultura. Neste território onde arte e biodiversidade se entrelaçam, destacamos alguns dos nomes, as histórias e os gestos dos mestres artesãos que mantêm essas tradições vivas — e as reinventam a cada nova geração.

 

Neida Pereira
Presidente e uma das fundadoras da Associação dos Artesãos e Artesãs das Comunidades do Rio Arapiuns (AARTA), Neida é um dos grandes nomes do artesanato do Tapajós. Desde os primeiros anos do grupo, esteve à frente da organização e da articulação que levou os Trançados de Arapiuns a feiras nacionais, museus e vitrines do país inteiro. Sua liderança é marcada pela sensibilidade com o coletivo e pelo compromisso com o empoderamento das mulheres da floresta. Em 2006, recebeu o prêmio Sebrae Mulher de Negócios, e desde então se tornou uma referência para outros grupos do Brasil que enxergam no artesanato uma ferramenta de transformação social, cultural e econômica. Neida representa o elo entre tradição e empreendedorismo, conduzindo seu povo com sabedoria e amor pela arte de trançar.

 

Neida Pereira.
Neida Pereira. (Foto: O Liberal, 2022)

 

Daiana Gomes – As cores do rio, as tramas da raiz

Artesã da comunidade ribeirinha de Urucureá, no Pará, Daiana Gomes foi apontada pela Casa Vogue como uma das “5 artesãs brasileiras que você precisa conhecer”. E não é por acaso. O talento que começou a germinar ainda na infância — quando observava as mulheres de sua vila trançando palha com destreza e beleza — floresceu em peças que hoje ganham o mundo.

Autodidata, Daiana começou sozinha: recolheu palha, treinou em casa e, pouco a pouco, transformou o que era tentativa em vocação. Seu trabalho chamou atenção da cooperativa Turiarte, onde ela se uniu a outras artesãs da região e passou a se dedicar à coleta, preparo e tingimento das fibras naturais. “Quanto mais colorido, melhor pra mim”, conta, revelando sua paixão pelas cores vibrantes da floresta.

Entre suas criações mais marcantes está a participação na coleção Alma-Raiz, desenvolvida em colaboração com a designer Maria Fernanda Paes de Barros, da Yankatu. Um encontro entre o design contemporâneo e a alma ancestral do artesanato amazônico — que tem em Daiana uma de suas grandes representantes.

 

Daiana Gomes.
Daiana Gomes. (Foto: Casa Vogue, 2020)

 

Bibliografia

MUSEU JOÃO FONA. A história da cerâmica tapajônica e sua relevância arqueológica. Santarém, 2024. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Museu_Jo%C3%A3o_Fona. Acesso em: 30 mar. 2025.

REDE ARTESOL. A tradição das cuias ornamentadas do Pará. 2023. Disponível em: https://redeartesol.org.br/rede/ribeirinhas-de-santarem. Acesso em: 30 mar. 2025.

TAPAJÓS DE FATO. Trançados do Arapiuns: um reencontro ancestral. 2023. Disponível em: https://www.tapajosdefato.com.br/noticia/133/trancados-do-arapiuns-mais-que-um-produto-artesanal. Acesso em: 30 mar. 2025.

CRAB SEBRAE. O impacto do turismo no artesanato paraense. 2024. Disponível em: https://crab.sebrae.com.br/estado_posts/artesanato-amazonia. Acesso em: 30 mar. 2025.

MUSEU PARAENSE EMÍLIO GOELDI. Estudos sobre cerâmica e fibras naturais na Amazônia. Belém, 2024. Disponível em: https://www.museu-goeldi.br. Acesso em: 30 mar. 2025.

Paiva, Jefferson. Instagram, 2021. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CYG9vLsuy5I/?img_index=1. Acesso em: 30 mar. 2025.

Até onde eu puder ir. 2025. Disponível em: https://ateondeeupuderir.com/viagem-para-alter-do-chao-para/. Acesso em: 30 mar. 2025

TURIARTE. Instagram, 2022. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CdGUlK-LFvQ/?img_index=1. Acesso em: 30 mar. 2025

Cuias Airas, 2025. Disponível em: https://www.instagram.com/cuiasaira/. Acesso em: 30 mar. 2025

Cuias Airas, 2025. Disponível em: https://cuiasaira.com.br/. Acesso em: 30 mar. 2025