Painel sobre desenvolvimento territorial durante I Seminário  “Artesanato Brasileiro – Mãos que Promovem o Brasil” (Foto: CRAB, 2024).

 

H1: Mãos que promovem o Brasil: O artesanato como força de transformação econômica e cultural

Sub: Discussões sobre inovação, sustentabilidade e o papel do artesanato no desenvolvimento territorial marcaram o seminário realizado no CRAB

O artesanato brasileiro vai além de uma prática tradicional: é uma ferramenta poderosa de transformação social e econômica. Ao unir saberes ancestrais à inovação e à sustentabilidade, ele se torna um motor de desenvolvimento territorial, promovendo autonomia para as comunidades e fortalecendo as identidades culturais locais. O – Mãos que Promovem o Brasil”, realizado no CRAB (Centro Sebrae de Referência do Artesanato Brasileiro), reuniu especialistas, artesãos e gestores públicos para discutir caminhos e desafios do setor.

Ao longo de dois dias intensos, em 10 e 11 de dezembro, temas como novas tecnologias, sustentabilidade, inclusão social e estratégias de mercado foram debatidos. O objetivo foi traçar um panorama do artesanato como parte fundamental da economia criativa brasileira e explorar como ele pode se tornar um instrumento ainda mais potente para o desenvolvimento territorial e a geração de renda.

Para assistir à gravação do seminário acesse o link: https://www.youtube.com/watch?v=Ovktu1aVRrA

 

H2: Artesanato como motor de desenvolvimento local e sustentável

O seminário trouxe à tona desafios, oportunidades e estratégias para fortalecer o setor (Foto: CRAB, 2024)

O artesanato é muito mais do que uma expressão cultural: é uma ferramenta estratégica de transformação. Integrado ao contexto regional, ele contribui para a economia local, conecta saberes tradicionais à inovação e é um importante elemento de sustentabilidade.

 

Marcos Lelis, especialista no mercado de artesanato, destacou no evento que é essencial enxergar o artesanato como parte da economia local, e não de forma isolada. “O artesanato se associa a setores como turismo, gastronomia e design, formando uma cadeia robusta. Para isso, precisamos de dados e modelos estatísticos que demonstrem a contribuição econômica desse setor”, afirmou.

 

Ele também ressaltou o papel do artesanato na redistribuição de renda, apontando que o setor é intensivo em trabalho e proporciona oportunidades para comunidades onde o emprego formal é escasso. “Por sua essência, o artesanato já carrega sustentabilidade, especialmente ao reutilizar materiais. O desafio agora é ganhar escala e conquistar o consumidor com esses atributos”, acrescentou Lelis.

 

O artesanato não só preserva as identidades culturais de uma região, mas também pode ser uma chave para o desenvolvimento econômico local. Como destacou Dorotea Naddeo, ex-coordenadora do Programa do Artesanato Brasileiro (PAB), focado em estratégias para integrar o artesanato a outros setores econômicos, “o artesanato conecta materiais e práticas culturais locais com inovações que atendem à demanda por produtos autênticos e originais. Ao valorizar saberes tradicionais e promover novas soluções, o setor se torna essencial para o fortalecimento das comunidades e para a criação de um futuro mais equilibrado e sustentável”.

 

Esse movimento pode ser visto em comunidades extrativistas, povos originários e regiões quilombolas, onde o artesanato impulsiona tanto a preservação cultural quanto o desenvolvimento socioeconômico. Em territórios com vocações próprias, a adaptação das práticas ao mercado global é essencial para garantir a sustentabilidade a longo prazo.

 

Além disso, experiências como o fortalecimento de cooperativas e associações locais mostram como o artesanato pode ser um catalisador para o desenvolvimento comunitário. Iniciativas em estados como Ceará e Minas Gerais comprovam que o investimento em capacitação e organização comunitária resulta em aumento de renda, melhoria das condições de vida e maior protagonismo dos artesãos nos mercados nacionais e internacionais.

 

Em sua fala, o professor e pesquisador da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Márcio Sá, abordou tendências identificadas ao longo de uma trajetória de pesquisa e extensão no Nordeste, destacando o Alto do Moura, em Caruaru (PE), como um laboratório vivo de práticas artesanais e dinâmicas territoriais. Segundo ele, “compreender essas tendências é essencial para transformar o artesanato em um motor de desenvolvimento territorial”.

 

Entre as tendências apresentadas, destaca-se a comercialização do artesanato como negócio, impulsionada por feiras renomadas como a Fenearte, em Pernambuco, e o Salão do Artesanato, na Paraíba. Esses eventos não só promovem os artesãos localmente, mas também projetam suas criações em nível nacional e internacional. No entanto, o pesquisador alerta para a tensão entre a permanência no modelo tradicional e a adaptação a dinâmicas de mercado mais convencionais.

 

No Alto do Moura, berço de mestres como Vitalino, as tendências apontam para um cenário de escolhas cruciais: investir no trabalho autoral ou em produções em série para sustento imediato? Marcio Sá enfatiza que essas decisões refletem dilemas contemporâneos de identidade e sobrevivência na comunidade, que ainda resiste aos impactos da modernização periférica. Ele argumenta que qualquer estratégia de desenvolvimento deve respeitar e dialogar com as particularidades do território e seus habitantes.

 

Por fim, Marcio ressalta que “não existem soluções universais para transformar o artesanato em vetor de desenvolvimento territorial. Cada iniciativa deve ser construída coletivamente, considerando as tensões, tendências e modos de vida locais”. Sua pesquisa contribui para a elaboração de políticas públicas mais ajustadas às realidades nordestinas, promovendo um artesanato que equilibre tradição, inovação e sustentabilidade econômica.

 

O ponto de partida para o desenvolvimento do artesanato é sempre o território: suas vocações, seus materiais, suas práticas culturais e sua relação com o comércio local.

 

Marc Diaz, gerente do CRAB, destacou que o seminário foi apenas o primeiro passo para unir as informações sobre o setor. “Esse é só o primeiro movimento para colher dados e unificar todo o conhecimento que está espalhado pelo Brasil. Vamos continuar debatendo temas estruturantes, discutindo e atualizando as informações”. Em março, durante o mês do artesão, o próximo evento abordará a integração do artesanato aos mercados.

 

 

H3:  Inovação e sustentabilidade: Capacitação e educação como ferramentas de transformação

O Projeto Repense Reuse atua no reaproveitamento de roupas de segunda mão, a partir da coleta das peças em contêineres instalados nos bairros de Salvador.  (Foto: Notícia Sustentável, 2024)

 

Para garantir que o artesanato continue a ser um mtor de desenvolvimento, a capacitação e a inovação são fundamentais. Giselle de Oliveira, Analista da unidade de competitividade do Sebrae Nacional, destaca a importância de uma abordagem específica para o setor artesanal, especialmente no contexto da economia criativa. O artesanato, apesar de ser uma parte crucial dessa economia, precisa de intervenções específicas, que vão além das ações pontuais ou das diluições em outros setores, como o turismo ou a gastronomia. Diagnóstico e Planejamento Estratégico, realizado pela UFMG em 2022, é um primeiro passo importante, pois revela pontos críticos e oferece um direcionamento para ações que possam melhorar o acesso ao mercado, a capacitação de artesãos e a inovação nas práticas produtivas.

 

Regina Machado, arquiteta que participou do Seminário, ressalta que para garantir o sucesso do artesanato no mercado atual, é preciso que as ações de capacitação tenham um enfoque estético, histórico e cultural, ampliando o repertório dos artesãos. Isso não significa apenas criar produtos bonitos, mas desenvolver uma compreensão mais profunda do contexto cultural e das tendências estéticas que impactam o setor.

 

“Nós usamos uma metodologia chamada ‘olhar abduzido’. É fazer experiências com o grupo para que eles olhem a sua cultura, a sua natureza, como se estivessem vendo pela primeira vez. Isso estimula a criatividade e o pensamento inovador, permitindo que os artesãos vejam seu trabalho de uma forma nova e mais impactante. Essa perspectiva inova o processo produtivo e amplia a compreensão do artesão sobre seu próprio trabalho”, destaca.

 

O seminário também destacou iniciativas de capacitação técnica e digital, que incluem desde o uso de ferramentas online para promoção de produtos até workshops de técnicas sustentáveis. Um exemplo prático foi o projeto de reciclagem de resíduos têxteis em Salvador, onde artesãs transformam descartes industriais em peças únicas e sustentáveis, criando valor a partir do que seria desperdício.

 

Bhella Santos, Gerente de Turismo e coordenadora de artesanato em Barra Mansa, compartilhou uma experiência de sucesso com a capacitação em línguas. Após perceber a dificuldade de comunicação dos artesãos com turistas estrangeiros, ela organizou cursos de inglês direcionados às suas necessidades. “Foi emocionante ver as artesãs, antes tímidas, comunicando-se e ampliando suas vendas em eventos internacionais”, relatou.

 

H4: Artesanato como símbolo do fortalecimento de identidades e territórios

O artesanato não só preserva as identidades culturais de uma região, mas também pode ser uma chave para o desenvolvimento econômico local (Artes do imaginário brasileiro, 2023)

 

Rosângela Fidelis Martiniano, indígena que há três anos atua como gerente administrativa de Casa Wariró, mostrou que com planejamento e visão de longo prazo, é possível transformar iniciativas locais em modelos de sucesso replicáveis em outras regiões do Brasil. (Foto: apresentação da Rosângela no Seminário, CRAB, 2024)

 

Rosângela Fidelis Martiniano, da Casa Wariró, exemplifica como planejamento e visão estratégica podem transformar iniciativas locais em modelos replicáveis. Rosângela compartilhou os desafios enfrentados pela Casa Wariró, que superou problemas financeiros e reconquistou a confiança dos artesãos.

 

Estratégias criativas, como a diversificação de produtos e parcerias com associações, foram essenciais para revitalizar o projeto. Hoje, a Casa reúne mais de 500 artesãos cadastrados, a maioria mulheres, e serve como um espaço de referência para comercialização, troca de saberes e fortalecimento de laços comunitários, sempre com foco no bem viver coletivo.

 

A Casa Wariró, criada pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) em 2005, é muito mais que um ponto de venda de artesanato; ela é um símbolo de resistência cultural e fortalecimento territorial. Representando 24 etnias do Rio Negro, a Casa conecta a produção indígena diretamente aos mercados regional e nacional, valorizando os saberes tradicionais e promovendo geração de renda sustentável. Inspirada no ser mitológico Wariró, associado à fartura e ao cultivo, a iniciativa reforça a importância do artesanato na manutenção das identidades indígenas e no equilíbrio do sistema agrícola tradicional.

 

O impacto do artesanato na valorização cultural é evidente nas peças comercializadas pela Wariró, que carregam histórias, grafismos e técnicas ancestrais. A Casa promove o comércio justo e conscientiza lojistas e consumidores sobre o trabalho manual envolvido, respeitando os ciclos naturais e a sustentabilidade. A rastreabilidade dos produtos, com informações detalhadas e QR codes, reforça o vínculo entre os consumidores e os artesãos, garantindo maior transparência e valorização das comunidades produtoras.

 

Mais do que uma loja, a Casa Wariró é um espaço de fortalecimento territorial e cultural. Ao promover oficinas, feiras e encontros entre produtores, ela incentiva o diálogo entre gerações e a transmissão de conhecimentos. Segundo Rosângela, cada peça vendida é uma vitória coletiva, pois contribui não só para o sustento das famílias indígenas, mas também para a preservação da floresta e das tradições culturais, assegurando que futuras gerações também possam desfrutar dessa riqueza.

 

H5: A empatia no design: A valorização dos saberes tradicionais

O Seminário Mãos que Promovem o Brasil foi o ponto de partida para um diálogo contínuo sobre o futuro do artesanato brasileiro (CRAB, 2024)

No contexto do artesanato e seu impacto na identidade cultural, o design se apresenta como uma ferramenta poderosa para aproximar comunidades, valorizando técnicas tradicionais e respeitando as especificidades culturais. Para a designer e pesquisadora Lia Krucken, especialista na área, o principal aspecto do design é que não existe uma receita única. Cada situação exige um olhar sensível e empático, que seja capaz de entender as necessidades locais e, ao mesmo tempo, aproximar mundos diferentes. Ela destaca que a diversidade cultural é um valor imenso, já que o design deve ser visto como um elo entre o que está sendo produzido e o significado profundo presente em cada objeto artesanal.

 

Destacando iniciativas como o Projeto Anarquivar e estudos sobre cadeias de sociobiodiversidade, Lia evidencia que o design vai além do objeto; é uma ferramenta para fortalecer vínculos sociais e culturais, transformando o território em um espaço de pertencimento e criatividade.

 

Um dos conceitos centrais apresentados foi a ideia de “estrela de valor”, que articula dimensões sociais, econômicas, culturais e ambientais. Lia Krucken ilustrou isso com casos como a produção de óleo essencial de lavanda na Provence e o manejo sustentável da palmeira juçara no Brasil. Esses exemplos mostram como o design pode contribuir para criar circuitos produtivos mais inclusivos, alinhando inovação e sustentabilidade com o reconhecimento das especificidades locais.

 

Lia também destacou a importância de processos criativos que nascem do diálogo com a comunidade. No Recôncavo Baiano, por exemplo, o Projeto Anarquivar tem se dedicado a resgatar histórias e objetos que narram as relações entre pessoas e seus territórios. Para ela, iniciativas assim não só preservam memórias, mas também apontam para futuros possíveis, nos quais as comunidades têm maior autonomia para se reinventar.

 

A pesquisadora reforçou ainda a necessidade de uma escuta ativa e de uma visão interdisciplinar para o design territorial. A valorização de territórios criativos passa por apoiar práticas ancestrais, como a tecelagem sustentável do Bela Trama, e por incentivar jovens a vivenciar a estética e a memória dos lugares. Para Krucken, esse olhar integrador é essencial para construir um futuro em que o design seja um vetor de transformação social e cultural.

 

Ao trabalhar com comunidades, Lia enfatiza o desafio de lidar com estéticas diferenciadas, que, embora representem uma grande oportunidade, podem também se tornar um desafio. Para ela, é fundamental entender que as práticas indígenas, por exemplo, carregam um valor simbólico além do aspecto material dos produtos, onde os objetos não são apenas peças, mas ferramentas de aprendizagem e conhecimento. O design, nesse contexto, deve buscar uma aproximação entre diferentes mundos, respeitando a linguagem estética e o significado dos objetos, de modo a comunicar e valorizar o tempo manual envolvido na produção artesanal.

 

“O papel do design é ajudar o consumidor a perceber o valor real do produto, para que ele entenda que sua escolha não é apenas pela estética, mas pelo valor intrínseco e pelas histórias que envolvem o processo produtivo”, enfatiza. Segundo ela, o design deve ser um agente de transformação, que apoia a sustentabilidade e o pertencimento das comunidades.

 

Laura Landau, Mestra em Biomimética e Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia e analista do CRAB, complementa o papel do design na cadeia produtiva, destacando que nem sempre a interferência do design é diretamente sobre o produto, mas sim sobre aspectos logísticos, como a embalagem e o transporte. Exemplos como a criação de embalagens para transporte seguro de cerâmicas mostram como a interferência no processo pode ter um impacto significativo em toda a cadeia produtiva artesanal.

 

O design se mostra, portanto, como um agente de transformação que pode ampliar as possibilidades do artesanato, respeitando suas raízes e conectando-o com novos mercados e públicos. Essa abordagem de empatia e compreensão abre portas para o mercado global, permitindo que produtos locais se destaquem sem perder suas identidades.

 

H6: O futuro do artesanato brasileiro: Desafios e potencialidades

O Seminário Mãos que Promovem o Brasil foi o ponto de partida para um diálogo contínuo sobre o futuro do artesanato brasileiro (CRAB, 2024)

O artesanato está vivendo uma nova era, na qual sua i

mportância para o desenvolvimento territorial e a economia criativa nunca foi tão evidente. A chave para o sucesso está na combinação de preservação cultural, inovação, capacitação e uma governança sólida. As políticas públicas devem ser estruturadas de forma a atender às especificidades do setor, oferecendo apoio às iniciativas locais, promovendo a capacitação contínua e criando mecanismos para que os artesãos possam acessar o mercado de forma sustentável e lucrativa.

 

Ao investir no fortalecimento do setor artesanal, não só garantimos a preservação de nossas tradições culturais, mas também contribuímos para um futuro mais equilibrado, sustentável e conectado com as comunidades. O artesanato tem, de fato, o poder de transformar territórios e construir uma economia mais justa e inovadora.

 

O seminário “Mãos que Promovem o Brasil” marcou o início de uma conversa necessária sobre o futuro do setor. Marc Diaz, gerente do CRAB, reforçou que “essa é apenas a primeira etapa para reunir dados e criar um planejamento estruturado. O Brasil tem uma riqueza cultural imensa, e o artesanato pode ser uma ponte entre o passado e um futuro mais inovador e inclusivo”.

 

Entre os caminhos apontados estão:

  • Fortalecimento das políticas públicas: Apoio ao setor com leis e incentivos fiscais.
  • Capacitação contínua: Formação para atender às demandas de mercado sem comprometer as raízes culturais.
  • Inovação: Inclusão de tecnologias que respeitem o meio ambiente.
  • Governança integrada: Articulação entre artesãos, gestores e sociedade civil

O artesanato tem o poder de transformar territórios, conectando pessoas, culturas e mercados. Ele é, acima de tudo, um reflexo das mãos que promovem o Brasil: criativas, resilientes e visionárias.

 

Bibliografia

IMAGINÁRIO BRASILEIRO. Artesanato Brasileiro: O que é e qual a sua importância para o Brasil. Disponível em: https://imaginariobrasileiro.com.br/blogs/news/artesanato-brasileiro. Acesso em: 14 dez. 2024.

 

YOUTUBE. A Evolução do Artesanato Brasileiro como Motor de Desenvolvimento Regional. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Ovktu1aVRrA. Acesso em: 14 dez. 2024.

 

SEBRAE. A evolução do artesanato brasileiro como motor de desenvolvimento regional. Disponível em: https://agenciasebrae.com.br/cultura-empreendedora/a-evolucao-do-artesanato-brasileiro-como-motor-de-desenvolvimento-regional/. Acesso em: 14 dez. 2024.

 

NOTÍCIA SUSTENTÁVEL. Projeto transforma resíduos têxteis. Disponível em: https://www.noticiasustentavel.com.br/projeto-transforma-residuos-texteis/. Acesso em: 16 dez. 2024.