Miriti: o suporte sustentável para a criação artesanal

Conheça os Brinquedos de Miriti, símbolos de sustentabilidade e cultura na cidade de Abaetetuba, Pará. Feitos a partir da palmeira de Miriti, esses brinquedos misturam tradição, criatividade e desenvolvimento econômico, encantando crianças e adultos no mundo todo. A cada ano, o festival Miritifest celebra essa arte local, que mantém viva a história dos artesãos da Amazônia.

Brinquedo de Miriti- Árvore de Natal
Site –Blog turismoparaense.blogspot.com

Os chamados “Brinquedos de Miriti” construíram um fascinante e lúdico repertório do fazer artesanal que transformaram a cidade de Abaetetuba no Pará na “Capital dos Brinquedos”.

A “árvore da vida”, como a Palmeira de Miriti é conhecida, transforma a vida dos artesãos e de suas famílias. A matéria-prima é manejada seguindo as tradições sustentáveis utilizadas pelas populações locais e vira brinquedo na mão dos artesãos escultores brincantes. O brinquedo vira festival: o Miritifest, um evento que é sucesso de público e excelente estratégia de negócio. Todo ano, os “Brinquedos de Miriti” saem de Abaetetuba e ganham o mundo.

Cartaz do Festival dos Brinquedos de Miriti em Abaetetuba. Site – www.abaetetuba.pa.gov.br

A árvore da vida e da alegria que inspira artesãos

Fruto da árvore de miriti Foto: Vanessa Monteiro –  Site: www.ufra.gov.br

De estrutura leve, a fibra da palmeira conhecida como Miritizeiro (Maurita Flexuosa), é natural e abundante nas regiões norte e centro-oeste do Brasil. É um material renovável e de colheita sustentável. Opera também como meio de vida para populações dos territórios da Floresta Amazônica. Com características semelhantes ao isopor, as embalagens de Miriti são hoje valorizadas pelas marcas contemporâneas e aliadas aos propósitos das pautas socioambientais. É por isso que o Miriti é conhecido como o ‘isopor da Amazônia’. Esse material é a base para a criação de brinquedos que significam o sustento de muitas famílias da cidade de Abaetetuba, no Pará.

Brinquedos de Miriti
site: www.agenciapara.com.br

Mas a palmeira também recebe outros títulos, o de “Árvore da Vida” e “Árvore da Bênção”. Quando conhecemos as propriedades dessa árvore entendemos o sentido desses nomes: seus frutos são ricos em vitaminas diversas e usados para doces e bebidas. Seu óleo tem propriedades medicinais e cosméticas, sua palha serve para cabanas e redes e sua fibra também se aplica aos mais diferentes fins desde isolamento acústico, até embalagens. Árvore da Vida é um pedaço da grandeza amazônica. Ela em si é um mundo, que carrega o mundo dos brinquedos.

Artesã com os Brinquedos de Miriti
foto: blog – wearabaetetubenses.blogspot.com

Por que a criança brinca? Porque ela não sabe que está brincando

Cata-ventos de Miriti
foto: blog – espacosaojoseliberto.blospot.com

Ela está experimentando, pesquisando, conhecendo, vivendo. E parece que foram elas, experimentando, as criadoras dos Brinquedos de Miriti. Como tantas histórias amazônicas, ficamos com o registro oral que ainda vive na cidade de Abaetetuba, a grande produtora dos brinquedos. Segundo relatos, as crianças viram no material a possibilidade de moldar seus próprios brinquedos e por ser muito leve a magia acontecia: ele flutuava na água. A brincadeira nunca mais cessou. A experimentação virou experiência de vida, habilidade, artesanato. Os Brinquedos de Miriti viraram trabalho, sustento e cultura na mão de hábeis artesãos.

Artesão Cita trabalhando
Foto: David Rodrigues -Facebook: Amo brinquedo de Miriti ,2017

A vida do artesão se mistura com as técnicas de seu ofício e com seus materiais. Para Dorielma Carvalho a palmeira do miriti, que é base dos brinquedos, é também a base da sua história e do seu fazer artesanal há 40 anos: “O Miriti é minha vida. Cada peça que a gente constrói, que a gente pinta, que a gente cola, é uma satisfação enorme” (Agência Sebrae PA, 2023).

É assim também na casa de Mestre Cita: “um aponta, outro lixa, um terceiro cola diz. Para Antônio Silva, os brinquedos são também criação: ‘eu aprendi a fazer brinquedos da minha cabeça mesmo, olhando os outros fazendo, eu aprendi, mas nunca imitei ninguém’”. (Miriti Fest, 2024)

A artesã Cleidiane Gomes percebe os brinquedos como veículos da cultura local, mas não só:‘’Sempre fui apaixonada pelos Brinquedos de Miriti e por tudo que envolve isso (…) esses brinquedos tradicionais ajudam na coordenação motora. Muitos não conhecem, devido à tecnologia. Por isso é bom levar esse artesanato para as escolas, fazer esse resgate’’ (Agência Sebrae PA, 2023).

João Batista Sales é um dos exemplos da espontaneidade criativa do artesão de miriti. Foi por curiosidade que Sales começou a trabalhar com o miriti e passou a criar pequenos objetos, reproduzindo em forma de brinquedos aquilo que via ao seu redor. A atividade passou a ser sua principal fonte de renda depois que uma amiga e admiradora do trabalho pediu permissão para divulgar o artesanato por intermédio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), durante o “Miriti Design 2000”, feira que ocorria na cidade de Abaetetuba.

Miritifest
Foto: site – www.abaetetuba.pa.gov.br, 2024

Brincar com a forma e criar identidade: conheça os principais tradicionais brinquedos de miriti

O artesão é um escultor que ainda tem que preparar seu material antes de entalhar. A palmeira do Miriti é colhida verde e passa por um longo processo de secagem. Primeiro ela seca ao sol e em um segundo momento vai para dentro das casas na estação de inverno, estação menos úmida para garantir uma secagem profunda. Esse processo dura meses e ao fim da secagem o material está pronto para ser cortado, lixado entalhado e pintado. Tudo com muito cuidado e precisão nos cortes. Nas mãos dos artesãos brincantes, a palmeira se transforma em brinquedos, culturas e símbolos.

Quer passear pelos rios e igarapés do Amazonas? Utilize a “frota” de miriti. Começamos com a “montaria”, uma pequena canoa, seguimos com a “canoa de vela”, com mastros e lemes móveis.

Barcos de Miriti
Foto: Ray Pontes – site- www.agenciapara.com.br, 2022

Se você não quer o movimento das águas pode ficar em terra firme e brincar com o movimento da “cobra-que-mexe”, ou do tatú, ambos articulados, assim como as duas pombinhas que mexem o bico.

Figura 10: Cobra -que -mexe – Brinquedo de Miriti
Foto: site – www.novo.ufra.edu

 

Pombinhos de Miriti – Foto: Fernando S. Câmara
Site – www.espedicaopara.com.br

Não poderia faltar o “soca – soca”, que coloca duas pessoas frente a frente socando um pilão num jogo ritmado. E falando em ritmo, também não poderiam faltar os casais dançantes movidos pelo vento ou pelas mãos.

Soca-soca
Fonte: Foto: Igamaz divulgação blog-.espacosaojoseliberto.blogspot.com

Bichos, barcos, casas, flores e cenários inventados que reúnem tudo isso, mas não só. A generosidade do material e a maestria dos artesãos fabricam da mesma palmeira objetos de fé, como os ex-votos do Círio de Nazaré, também fonte importante dos artesãos.

Brinquedos de Miriti
Foto: Davi Rodrigues – Facebook: Amo brinquedo de miriti

Ensinando a brincadeira e colhendo os frutos dos negócios

Brincar sozinho não tem graça e nem vira negócio: cada etapa dos brinquedos é preparada pelos “especialistas brincantes”, cujo saber veio de seus pais e será carregado até passar para os seus filhos. Pais e filhos se juntam em associações que trabalham por encomenda, mas também fomentam o próprio negócio. Em 2004, criaram o Festival do Miriti, ou o Miritifest, como ficou conhecido. Reunindo cultura, artesanato e saberes hoje é reconhecido como Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do Estado do Pará, assim como os Brinquedos de Miriti.

Todo ano, na virada de abril para maio, com as cheias dos rios que a palmeira atinge a produção máxima dos seus frutos. A “Árvore da Vida” oferece mais uma vez o sustento para os produtores e a alegria para os novos brincantes. O festival, com atrações culturais, é um sucesso de público e vendas.

Brinquedo articulado de miriti
Fonte: Foto: Fernando S. Câmara
Site – www.espedicaopara.com.br

No bairro de Cristo Redentor em Abaetetuba, um espaço chamado Fábrica de Sonhos foi aberto por Mestre Valdeli e família. Vinculado à Miritong (Associação de Arte de Miriti) recebe o apoio do Museu do Folclore, Sebrae, UFRA e UFPA através do Museu do Tocantins. O objetivo do espaço é ser um ponto comunitário de cultura e artes que promova a inclusão através de diversas manifestações artísticas além de atender crianças em estado de vulnerabilidade. “Fábrica dos Sonhos” se tornou realidade na vida de Mestre Valdeli a partir de seus brinquedos.

‘’A floresta dá muita coisa boa né? Mas uma é especial que é a miritizeira. (…) pra mim, a árvore da benção ela tem um significado muito importante, sabe? Porque ela salvou a minha vida. Ela oferece a matéria-prima que salvou a minha vida, então tem um sentido muito especial. Eu passei a amar mais as pessoas depois que eu passei a amar mais a floresta, sabe?’’ Valdeli Costa – Mestre dos Brinquedos de Miriti. (Miriti Fest, 2024)

A brincadeira não acaba, a tradição se mantém, mas respira novidade. As lendas representadas ganham sempre novas cores e formas. Fauna e flora local se multiplicam em novos brinquedos que produzem um encantamento imediato em todo mundo. Os pássaros de Miriti ganham os céus de outros continentes. E a arquitetura de suas casinhas lembram a poesia de todos os lares. Os brinquedos de Miriti “surgem e concretizam encontros e processos sociais, estendem-se aos percursos de souvenires turísticos e provavelmente enfeitam a casa de alguém do outro lado do mundo’’ (Ferreira; Amarildo, 2017, pág. 8).

Natural de Abaetetuba, o designer Marcelo Vaz seguiu a tradição das crianças que brincavam com os brinquedos de miriti. Mas viu no material novas possibilidade de desenho, sem abandonar o conhecimento dos artesãos. “Eu busco a pluralidade no meu trabalho” (Agência Sebrae PA, 2023). Seus objetos de Miriti encontraram linhas geométricas modernas, de cores saturadas.

Luminárias de Fibra de Miriti
Marcelo Vaz Foto divulgação Site- www.guaranyjr.com.br

 

“As coisas da natureza e a estética sempre me fascinaram. As artes plásticas sempre foram um hobby. Depois de me formar, percebi que podia unir o miriti e inovar, além de utilizar os recursos naturais de forma responsável” (Agência Sebrae PA, 2023), diz Marcelo.

No design ou no artesanato, esse material e seus muitos recursos nunca perderão a sua potência e continuarão promovendo a melhoria de vida dos artesãos locais e a alegria de pessoas de todo o mundo.

 

REFERÊNCIAS:

  • FERREIRA, Amarildo. Entalhadores do efêmero. Pará: NAEA, 2017.
  • LEIRNER, Carla. The Art of Brazilian Handcraft. São Paulo: 2002.
  • MASCELANI, Ângela. O Mundo da arte popular brasileira. Rio de Janeiro: Museu Casa do Pontal: Mauad, 2002.
  • SENNETT, Richard. O Artífice. Rio de Janeiro, São Paulo: Record, 2009.
  • SEBRAE. Prêmio Sebrae Top 100 Artesanato: quinta edição. Brasília: 2023.
  • SEBRAE, Centro Sebrae de Referência do Artesanato Brasileiro. Origem Vegetal. Organizadores: Adélia Borges e Jair de Souza. Rio de Janeiro: 2016.

Sites:

  • Miritifest 20 Anos de Orgulho e Tradição. Prefeitura de Abaetetuba, 2024. Disponível em: abaetetuba.pa.gov.br
    Acesso em: out/2024.
  • Universidade Federal Rural da Amazônia.
    Disponível em: novo.ufra.edu.br
    Acesso em: out/2024.
  • Blogspot. Espaço São José Liberto, 2011.
    Disponível em: espacosaojoseliberto.blogspot.com
    Acesso em: out/2024.
  • ASN PA, Agência Sebrae Pará, 2023.
    Disponível em: pa.agenciasebrae
    Acesso em: out/2024.
  • Miritifest 2024. Disponível em: miritifest Acesso em: out/2024.
  • Universidade Federal Rural da Amazônia.
    Disponível em: novo.ufra.edu.br
    Acesso em: out/2024.

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