Xilogravura: Uma arte antiga para contar Histórias
Antes de abordarmos a rica história de J. Borges, é importante contextualizarmos que a história da Xilogravura está ligada, em sua origem, à história da escrita, da prensa e do livro, mas a necessidade do ser humano de gravar suas ideias, histórias cotidianas e códigos de conduta é milenar. As gravuras mais antigas que se tem notícia são da China, país que dominou a arte do papel e das tipografias, antes mesmo de Gutemberg apresentar a prensa aos europeus, revolucionando a história dos livros impressos. No entanto, também encontramos registros históricos de gravuras no Japão e no Egito, na África.
A Xilogravura no Ocidente, ao contrário do que ocorreu no Oriente, nasceu ligada às imagens, como as representações de santos e baralhos, e não necessariamente às letras. Mesmo assim, foi fundamental para a difusão do livro, à medida que a técnica de gravura foi aprimorada ao longo dos séculos, revolucionando a sociedade. Com a impressão em massa de livros, um número cada vez maior de pessoas aprendeu a ler, impulsionando o desenvolvimento da sociedade como um todo.
O que se observa em todos os países onde a técnica da xilogravura possui registro histórico é seu caráter popular e sua habilidade de se conectar com as pessoas, contando histórias cotidianas e transmitindo a cultura de forma acessível.
Principais Técnicas da Xilogravura: Do Entalhe à Impressão
A palavra xilogravura deriva do grego e significa, em termos gerais, “escrever” ou “gravar” na madeira. Essa técnica utiliza uma matriz de madeira entalhada, preparada pelo artista com o desenho ou letras escolhidas em alto relevo. Em seguida, essa matriz é pressionada contra uma folha de papel, resultando em uma gravura. A esse processo, damos o nome de xilogravura. Saiba mais aqui.
O suporte da xilogravura não fica restrito ao papel; pode ser utilizado em madeira, tecido ou qualquer material em que seja possível gravar. Além disso, é possível utilizar tinta ou não, gerando uma gravura a seco. Todas essas variações são consideradas xilogravura, de acordo com teóricos da área.
Existem duas espécies de xilogravura: a de Fio (também chamada de xilografia de madeira deitada) e a de Topo (também chamada de xilografia de madeira em pé). A distinção entre essas duas formas de cortar a matriz de madeira determina as ferramentas, a técnica de entalhe, o tipo de corte adequado para cada tipo de madeira e todas essas diferenças se refletem no resultado final.
A escolha da madeira a ser utilizada é uma arte entre os xilógrafos, que possuem suas peculiaridades distintas, como os meses adequados para a colheita, as árvores ideais para cada técnica e a preocupação com a preservação, utilizando, em alguns casos, apenas madeiras provenientes de podas. Essa relação íntima com a natureza é uma parte essencial do processo de entalhe.
Dentre os tipos de impressão, destacam-se a impressão à mão, a impressão com prensa e as impressões em preto e branco, bem como as coloridas, que podem ser obtidas com uma ou mais matrizes. A versatilidade da xilogravura permite a criação de obras ricas em detalhes e profundidade, demonstrando a habilidade e a criatividade dos artistas que dominam a técnica
A Xilogravura e a Literatura de Cordel: A Arte de J. Borges
A história da xilogravura se entrelaça com a literatura de cordel, uma das manifestações mais puras do espírito inventivo do povo brasileiro. Nesse contexto, J. Borges, um renomado mestre da xilogravura, destaca-se como um artista que transcende fronteiras e culturas. Sua jornada na arte começou de forma simples, escrevendo seu primeiro cordel, “O Encontro de Dois Vaqueiros no Sertão de Petrolina,” em 1964. Esse modesto início marcou o início de uma carreira impressionante.
Do Sertão pro Mundo
A autodidatismo de J. Borges é um testemunho de sua paixão e talento. Ele aprendeu a criar xilogravuras intuitivamente, começando a produzir suas próprias gravuras quando amigos do cordel pediram ilustrações para seus folhetos. Com habilidade singular, ele entalhava suas matrizes em madeira, criando obras de arte que cativavam o mundo.
Esse talento não passou despercebido, e ele logo foi reconhecido por colecionadores e marchands, que o apresentaram a Ariano Suassuna, um dos maiores nomes da cultura nordestina. Suassuna não apenas considerou J. Borges o melhor da região, mas também o melhor do Brasil e do mundo. A partir desse encontro, J. Borges teve sua carreira impulsionada, com exposições em países como França, Alemanha, Suíça, Itália, Venezuela e Cuba.
J. Borges: Um Artista Multifacetado e Internacionalmente Renomado
O trabalho de J. Borges também transcendeu as fronteiras da xilogravura. Ele ilustrou livros de renomados autores, como Eduardo Galeano, José Saramago e Miguel de Cervantes. Além disso, foi o único artista brasileiro convidado a participar do Calendário da Organização das Nações Unidas (2002), apresentando sua gravura “A Vida na Floresta”.
Suas obras retratam o cotidiano, o cangaço, cenas de amor, castigos divinos, folguedos, religiosidade, milagres, mistérios, personagens imaginários e antropomorfos, com obras originais e irreverentes
A importância do trabalho de J. Borges foi reconhecida com diversos prêmios, como a medalha de honra ao mérito da Fundação Joaquim Nabuco (1990), o Prêmio de Gravura Manuel Mendive na 5ª Bienal Internacional Salvador Valero (Venezuela, 1995) e a Comenda Ordem do Mérito Cultural (1999, Ministério da Cultura), entre outros.
Legado e Ensino: J. Borges e a Preservação da Cultura Popular
Além de sua produção artística, J. Borges dedica-se à educação e à preservação da cultura popular. Ele realiza oficinas para jovens e crianças em seu Memorial, transmitindo seu conhecimento e paixão pelo cordel. Sua esperança é que as futuras gerações levem adiante a riqueza cultural do Nordeste e da literatura de cordel, mantendo viva essa tradição que encanta corações em todo o mundo.
Dentro do Memorial J. Borges, os visitantes têm o privilégio de explorar uma riqueza de criações originais em diversos formatos. As obras do mestre são tão versáteis quanto cativantes, impressas em preto e branco ou coloridas. O legado que o memorial se propõe a deixar é a constante inovação e a possibilidades de apreciação in loco da arte de Borges.
Inaugurado em 2003, o Memorial J. Borges é um espaço único que convida os visitantes a explorar uma variedade de experiências culturais. Possui uma loja física que abriga centenas de peças à venda, enquanto o ateliê é o local onde o mestre realiza seu trabalho artístico. A oficina é onde as obras ganham vida, sendo reproduzidas com cuidado e dedicação. O visitante tem acesso a todos esses espaços, desfrutando de uma experiência verdadeiramente única. E se tiver sorte, poderá até mesmo trocar algumas palavras com o próprio artista.
Texto por Mayara Helena Fonseca.
Fontes:
ARTESANATO SOLIDÁRIO, ARTESOL. J. Borges- José Francisco Borges. [site]
Disnponível em: https://www.artesol.org.br/jborges
Acesso em: 27.09.2023
FERNANDES. Rozzie. Nossos Mestres: J. Borges. In: Artesanato de Pernambuco. Recife. [site]
Disponível em: https://www.artesanatodepernambuco.pe.gov.br/pt-BR/mestres/j-borges-mestre/mestre
Acesso em: 27.09.2023
LIMA, Beth; LIMA, Valfredo. Em Nome do Autor: artistas artesãos do Brasil. São Paulo : Proposta Editora, 2018.
MEMORIAL J. BORGES. Sobre nós. [site]. Bezerros, PE.
disponível em: https://memorialjborges.com/sobre-nos/
Acesso em: 28.09.2023.
PONTES, Edna Matosinho de. Eu Me Ensinei: Narrativas da Criatividade Popular Brasileira. São Paulo : Via Impressa, 2017.