Conheça o núcleo de artesãos do Amazonas!

(Oficina de leques tucumã no NACIB (Núcleo de Arte e Cultura Indígena de Barcelos, 2025)

 

Entre rios, ilhas e histórias: o território de Barcelos, Amazonas.

Às margens do Rio Negro, onde as águas refletem o céu amazônico como um espelho, está localizado Barcelos. Este município do estado do Amazonas é o maior em extensão territorial da região Norte e o segundo do Brasil, com mais de 122 mil quilômetros quadrados. Sua vastidão abriga não apenas paisagens grandiosas, mas também uma rede invisível de memórias, povos e práticas tradicionais que atravessam os séculos e estão registradas no artesanato indígena da região.

Fundada em 1728 como Missão de Nossa Senhora da Conceição de Mariuá, Barcelos foi a primeira capital da Capitania de São José do Rio Negro, embrião do atual estado do Amazonas. O nome, herança da cidade homônima portuguesa, guarda uma das muitas camadas de colonização sobrepostas ao território. Hoje, Barcelos é reconhecido por sua biodiversidade exuberante, sua vocação para o ecoturismo e por ser a “Capital do Peixe Ornamental”, onde ocorre anualmente, no fim de janeiro, o Festival do Peixe Ornamental — celebração que movimenta a economia local e atrai visitantes do Brasil e do exterior. Mas, por trás da fama do tucunaré-açu e das praias de água doce, existe um outro movimento silencioso, de mãos que trançam, moldam e criam: o das mulheres e homens que fazem do artesanato indígena uma forma de resistência, renda e reconexão com o sagrado.

(Artesanato local, 2024)

 

NACIB: cultura viva em tramas de fibra 

Fundada em 2012, a NACIB – Núcleo de Arte e Cultura Indígena de Barcelos – nasceu da necessidade urgente de dar voz e estrutura aos artesãos indígenas da região. Com sede no bairro São Sebastião, na área urbana de Barcelos, a associação reúne cerca de 20 artesãos ativos, a maioria mulheres de etnias como Baré, Baniwa, Tariano, Tukano, Tuyuka, Dessana, Arapaço e Piratapuia.

A atuação da NACIB ultrapassa os limites urbanos. Suas conexões se estendem pelas comunidades ribeirinhas dos rios Padauiri e Aracá, alcançando aldeias onde o tempo corre devagar. O objetivo é claro: fortalecer a autonomia produtiva das comunidades por meio do artesanato indígena, preservando saberes ancestrais ao mesmo tempo em que se abrem caminhos para uma economia criativa e sustentável.

Os produtos mais representativos do artesanato indígena da região são as cestas de piaçava e cipó-titica, biojoias com sementes e penas, utensílios em madeira e peças utilitárias que trazem na forma a estética da floresta. Cada trançado é uma narrativa que atravessa gerações, feita de gestos herdados, de cantos que guiam a colheita, de respeito ao tempo da natureza e ao espírito das matérias-primas.

 “A matéria-prima é adquirida totalmente da floresta, seja por nós mesmos, pelos próprios artesãos ou por meio de outros extrativistas, como é o caso da fibra da piaçava, que fica em lugares distantes, nas cabeceiras dos afluentes do Rio Negro. A partir disso são elaborados vários artesanatos como acessórios, cestarias ou peças de design. Consideramos em nossos trançados e desenhos a questão cultural da espiritualidade indígena milenar. Todo trançado, todo o formato do artesanato, tem uma pegada tradicional indígena.”  (Antonio Jesus, representante do NACIB, 2024)

A associação também organiza oficinas de capacitação, participa de feiras nacionais e atua em parcerias com instituições como o SEBRAE, FUNAI, Sebrae, FOIRN, FIRN e a Rede Artesol. Nos últimos anos, esteve presente na Feira Nacional de Artesanato (Belo Horizonte), no Salão do Artesanato (Brasília) e na exposição Solo Criativo, no CRAB (Rio de Janeiro). Com essas ações, a NACIB se consolidou como referência na articulação entre tradição e inovação, território e mercado.

(Artesãos que participam de oficinas na Associação NACIB, 2025)

 

Panorama institucional da NACIB

 

Sob a presidência de Maria Aparecida Duque Dias, a NACIB é gerida por uma diretoria formada majoritariamente por mulheres indígenas. A liderança feminina não é apenas uma formalidade institucional, mas expressão concreta do protagonismo das mulheres no cuidado com os saberes tradicionais e na organização econômica das aldeias.

 

As oficinas realizadas pela associação promovem o fortalecimento técnico dos artesãos, aprimorando a qualidade dos produtos e garantindo práticas de comércio justo. A comercialização coletiva amplia o alcance da produção e assegura que os lucros sejam redistribuídos de forma equitativa.

Durante a pandemia de COVID-19, a NACIB enfrentou desafios severos. O isolamento interrompeu a coleta de matérias-primas, suspendeu os deslocamentos pelos rios e inviabilizou os encontros presenciais para produção. Diante disso, muitos artesãos retomaram temporariamente a agricultura de subsistência. Ainda assim, a associação manteve seus vínculos e retornou às atividades com ainda mais força nos anos seguintes.

Além da visibilidade conquistada em eventos, a NACIB inspira a formação de outras associações no Amazonas, tornando-se modelo replicável de economia solidária baseada em saberes tradicionais. Seu impacto é percebido na melhoria da renda familiar, no fortalecimento cultural das comunidades e na valorização das mulheres como guardiãs do patrimônio imaterial.

 

(Artesanato produzido e comercializado na Associação NACIB, 2025)

 

Entre tradição e futuro: desafios e possibilidades

O caminho do artesanato indígena em Barcelos é atravessado por muitos desafios. A logística complexa da região, a dificuldade de acesso a mercados maiores, a ausência de políticas públicas consistentes para a cultura indígena e as ameaças ambientais ainda são obstáculos recorrentes.

Mesmo assim, as mãos que trançam não param. Há um impulso vital em cada cesto, em cada fio de piaçava. O que se vê na superfície é uma peça bonita. Mas o que ela carrega dentro é história, é território, é identidade.

Ao transformar o fazer ancestral em fonte de renda e ferramenta de expressão, a NACIB atua na preservação ativa de culturas que seguem vivas, pulsando nos barrancos dos rios, às margens do mundo visível. E cada vez que um objeto sai de Barcelos para o mundo, ele leva consigo não apenas um artefato, mas uma cosmovisão inteira.

É imperativo que o Brasil aprenda a olhar com o devido respeito para essas mãos e histórias. Porque ali está a memória da floresta.

 

Referências bibliográficas:

ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DO AMAZONAS. História de Barcelos. Disponível em: https://www.aca.org.br. Acesso em: mai. 2025.
BARCELLOS, Felipe. Pesquisa sobre a NACIB: Núcleo de Arte e Cultura Indígena de Barcelos. ResearchGate, 2023.
CIDADES DO MEU BRASIL. Dados sobre o município de Barcelos. Disponível em: https://www.cidadesdomeubrasil.com.br. Acesso em: mai. 2025.
WWF-BRASIL. Territórios e comunidades indígenas do Amazonas. Disponível em: https://www.wwf.org.br. Acesso em: mai. 2025.
WIKIPÉDIA. Barcelos (Amazonas). Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Barcelos_(Amazonas). Acesso em: mai. 2025.
AMAZONASTUR. Informações turísticas de Barcelos. Disponível em: https://www.amazonastur.am.gov.br/barcelos. Acesso em: mai. 2025.