
Cerâmica tradicional de Maragogipinho. (Foto: Emerson Ishikawa, 2021)
Maragogipinho: mantendo viva a tradição da cerâmica do Recôncavo Baiano
Artesanato e cerâmica: o barro moldando um território
Maragogipinho, um pequeno distrito no Recôncavo Baiano, é um lugar onde o tempo parece ter moldado o barro com mãos hábeis e pacientes. Situado às margens do Rio Jaguaripe, no município de Aratuípe, este vilarejo abriga uma das mais antigas e significativas tradições de cerâmica do recôncavo baiano, com raízes que remontam a quase três séculos.
A cerâmica de Maragogipinho está profundamente entrelaçada com a sua história. Desde o século XVIII, registros já destacavam a qualidade e a importância das peças produzidas na região. A arte de moldar o barro foi transmitida de geração em geração, preservando saberes e fazeres ancestrais que refletem influências indígenas, africanas e portuguesas. As olarias, construídas com materiais orgânicos como madeira e palha de piaçava, lembram as construções indígenas e estão dispostas em semicírculo ao longo das margens do rio, onde a cerâmica do recôncavo baiano dá vida à argila retirada diretamente do leito.
Vista aérea de Maragogipinho. (Foto: Emerson Ishikawa, 2021)
Cerâmica como pilar econômico e identidade territorial
A economia de Maragogipinho gira em torno da cerâmica. A comunidade possui cerca de 150 olarias ativas e emprega 80% de seus habitantes nesse ofício. O distrito abriga também o Museu do Barro, um acervo digital que documenta a trajetória dos mestres ceramistas e a importância cultural da região. Além disso, eventos como o Festival da Cerâmica e a Feira de Caxixis ajudam a fortalecer a identidade artesanal e atraem turistas e colecionadores em busca de peças exclusivas.
A valorização da cerâmica de Maragogipinho como patrimônio imaterial é uma estratégia essencial para garantir a longevidade desse ofício.
A tradição da cerâmica em Maragogipinho (Foto: Manu Dias/GOVBA, 2023)
Turismo e sustentabilidade: o barro como experiência viva
O turismo desempenha um papel essencial na manutenção desse patrimônio. Visitantes que chegam a Maragogipinho podem explorar as olarias, acompanhar o processo de produção e adquirir peças diretamente dos artesãos. O contato direto entre os ceramistas e o público permite que a história de cada peça seja contada, reforçando o valor da tradição para novas gerações. Além das lojinhas locais, associações como a Associação de Auxílio Mútuo dos Oleiros ajudam a organizar a produção e garantir melhores condições de trabalho para os artesãos.
Programas de incentivo, como a criação de rotas turísticas do artesanato e a implementação de políticas públicas de valorização da cerâmica, têm sido estudados como formas de ampliar o impacto do turismo na região. Em parceria com universidades e instituições culturais, oficinas e cursos de capacitação vêm sendo promovidos para incentivar novas gerações a dar continuidade ao ofício, garantindo que a tradição não se perca diante da crescente industrialização.
A cerâmica de Maragogipinho está ganhando o Brasil! Suas peças são comercializadas em diversos mercados de artesanato pelo Brasil e exportadas para colecionadores e instituições culturais. Essa circulação contribui para a valorização do ofício e a permanência da tradição, em meio aos desafios da modernidade.
Maragogipinho é mais do que um polo cerâmico. É um testemunho vivo da resistência cultural brasileira, onde o barro, moldado com séculos de história, continua a contar narrativas através das mãos de seus artesãos.

Cidade de Maragogipinho (Foto: Folha do Norte, 2024)
A tradição da cerâmica de Maragogipinho: do barro ao fogo
As técnicas utilizadas pelos artesãos locais na cerâmica do recôncavo baiano foram pouco alteradas com o passar do tempo. O barro é moldado manualmente ou em torno, e depois segue para secagem ao sol antes de ser levado aos fornos a lenha, que dão o acabamento característico às peças.
A secagem é um dos momentos mais delicados do processo. As peças são dispostas ao sol e podem levar dias para perder a umidade antes de serem levadas para os fornos.
A queima é realizada em fornos a lenha, atingindo temperaturas superiores a 800°C, e o tempo e o controle da temperatura influenciam diretamente no resultado, determinando a resistência e a tonalidade de cada objeto.
A pigmentação, por sua vez, confere a identidade única às cerâmicas de Maragogipinho. Os artesãos utilizam pigmentos naturais extraídos da própria terra. O Tauá, uma argila vermelha, dá às peças sua cor característica e os tons terrosos profundos, enquanto a Tabatinga, uma argila branca, é usada para detalhes decorativos, criando um contraste visual marcante. Essa combinação de técnicas resulta em objetos únicos, impossíveis de serem reproduzidos por processos industriais.

Artesão de Maragogipinho moldando o barro. (Foto: Emerson Ishikawa, 2021)
Arte, cultura e expressão popular na cerâmica do recôncavo baiano
Os produtos criados pelos artesãos locais são variados e atendem tanto a funções utilitárias quanto a propósitos espirituais e decorativos. Panelas de barro, travessas e moringas seguem a tradição dos utensílios domésticos ancestrais, que preservam o sabor dos alimentos e são amplamente utilizados na culinária baiana. Em outro extremo, imagens sacras esculpidas em barro atestam o sincretismo religioso da região, conectando tradições católicas e afro-brasileiras. Quartinhas e porrões, recipientes de barro tradicionalmente usados para armazenar água, alimentos ou oferendas em rituais do Candomblé e da Umbanda, são parte essencial da cultura espiritual local.
Mas a arte cerâmica de Maragogipinho não se limita ao passado. A inovação também tem espaço na tradição, como no caso dos boi-bilhas, invenção do mestre ceramista Vitorino Moreira, que combina a imagem do boi nordestino com a bilha, tradicional recipiente para armazenar a cachaça. Sua criação rendeu reconhecimento internacional e consolidou Maragogipinho como um território onde a tradição e a criatividade caminham lado a lado.
Boi-Bilha, obra de Mestre Vitorino Moreira. (Foto: Governo da Bahia, 2024)
Mestres do barro: guardiões da tradição cerâmica de Maragogipinho
Mestre Rosalvo Santana
Um dos maiores nomes da arte santeira em cerâmica, Mestre Rosalvo Santana encontrou no barro uma forma de expressão que une fé, história e técnica. Filho de Aniordes Santana, conhecido como Mestre Roxinho, cresceu cercado pelas olarias da região, observando desde pequeno o processo artesanal da cerâmica. Com o tempo, desenvolveu um estilo próprio, marcado pela fusão dos estilos barroco e rococó, onde as imagens sacras ganham um nível impressionante de detalhamento e volume. Suas peças evocam a grandiosidade das esculturas religiosas históricas, sendo procuradas por colecionadores, fiéis e estudiosos da arte popular brasileira.

Mestre Rosalvo Santana. (Foto: Artesanato da Bahia, 2023)
Para mais informações de peças entre em contato com o Mestre :
Endereço: Rua Capana, Quadra 89, 06, Cidade Tabajara – Olinda
Telefone: 9.8843.7315 l E-mail: rosalvojose123@gmail.com
Mestre Vitorino Moreira
O destino de Mestre Vitorino Moreira parecia estar traçado no barro, mas foi somente na vida adulta que ele compreendeu a força dessa herança cultural. Diferente de muitos ceramistas da região, Vitorino resistiu ao ofício na juventude, acreditando que a repetição dos mesmos modelos de peças limitava a criatividade. No entanto, com o tempo, percebeu que poderia transformar a cerâmica e dar a ela um novo significado. Criou, então, o boi-bilha, uma peça inovadora que une a figura do boi nordestino à bilha, um recipiente tradicional usado para armazenar cachaça. A invenção lhe rendeu reconhecimento nacional e internacional, incluindo o prêmio Objeto Brasileiro, concedido pelo Museu A Casa, em São Paulo, e uma Menção Honrosa da ONU no Festival de Artesanato dos Países da América Latina e Caribe. Hoje falecido, deixou grande marca no território.
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Mestre Vitorino Moreira. (Foto: Francisco Moreira da Costa, 2024)
Bibliografia
GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA. Maragogipinho celebra rica tradição ceramista: um legado de gerações. Comunicação Bahia, Salvador, 2023. Disponível em: https://www.comunicacao.ba.gov.br/2023/11/noticias/trabalho/trabalho-decente/maragogipinho-celebra-rica-tradicao-ceramista-um-legado-de-geracoes/. Acesso em: 30 mar. 2025.
CRAB SEBRAE. Maragogipinho: Recôncavo baiano, artesãos e seu território – uma homenagem. CRAB Sebrae, Rio de Janeiro, 2023. Disponível em: https://crab.sebrae.com.br/estado_posts/maragogipinho-reconcavo-bahiano-artesaos-e-seu-territorio-uma-homenagem/. Acesso em: 30 mar. 2025.
ARTESANATO DA BAHIA. Rosalvo Santana. Artesanato da Bahia, Salvador, 2023. Disponível em: https://artesanatodabahia.com.br/artesaos/rosalvo-santana/. Acesso em: 30 mar. 2025.
ARTE DOS MESTRES. Rosalvo Santana (BA). Arte dos Mestres, São Paulo, 2023. Disponível em: https://artedosmestres.org.br/artistas/rosalvo-santana-ba/. Acesso em: 30 mar. 2025.
UFRB. Festival da cerâmica Maragogipinho realiza segunda edição de 14 a 17 de novembro. UFRB, Cruz das Almas, 2023. Disponível em: https://ufrb.edu.br/portal/noticias/7451-festival-da-ceramica-maragogipinho-realiza-segunda-edicao-de-14-a-17-de-novembro. Acesso em: 30 mar. 2025.
Palavra-chave: cerâmica do Recôncavo Baiano