Tradição e transformação de mãos dadas 

Cobogó de Sururu, feito de forma reciclada por Marcelo Rosembaum | Foto: Pointer / Divulgação, 2021

No Brasil, cada região possui uma essência própria, e o artesanato é uma das formas mais vibrantes de expressá-la. No entanto, num mundo em constante mudança, muitos artesãos hoje se perguntam: como acompanhar as tendências do mercado e da tecnologia, sem apagar as raízes? A resposta está na inovação no artesanato, que não significa abandonar o que é ancestral, mas sim dar novos sentidos a saberes antigos. 

 

Entender sua essência é o primeiro passo para inovar 

Curso “Metodologia Yankatu: Artesanato para além das tendências” | Foto: Marcelo Oséas, 2024

Nenhuma transformação genuína começa sem um mergulho profundo em si mesmo. Para inovar sem perder a essência, o primeiro passo é saber quem você é como criador. De onde vêm seus saberes? Qual é a história do seu território, da sua técnica, do seu fazer? Essa clareza é o ponto de partida da inovação no artesanato. E é o que defende o pesquisador espanhol Fernando Hernández em Culturas e práticas educativas: experiências com projetos, narrativas e portfólios (2000), ao afirmar que todo processo criativo significativo começa com o autoconhecimento e com o reconhecimento de uma trajetória. A inovação no artesanato não brota do acaso, mas da escuta atenta da própria memória. 

 

Inovar é dialogar com o presente 

A Oficina Francisco Brennand celebra a tradição dos objetos utilitários queimados em alta temperatura que acompanharam o trabalho do artista desde o início de sua carreira. da CASACOR São Paulo 2022 | Foto: Renato Navarro

 

A Oficina Francisco Brennand celebra a tradição dos objetos utilitários queimados em alta temperatura que acompanharam o trabalho do artista desde o início de sua carreira. da CASACOR São Paulo 2022 | Foto: Renato Navarro

 

Se a essência vem do passado, a inovação no artesanato nasce do presente. Isso significa observar o mundo ao redor: que demandas surgem nos hábitos, nas estéticas, nos modos de vida atuais? Que novos materiais e tecnologias podem ser incorporados ao processo artesanal, sem desrespeitar suas origens? 

A curadora Adélia Borges em Design + Artesanato: o caminho brasileiro (2011) reforça que o artesão inovador não é aquele que se afasta de sua linguagem, mas aquele que a faz conversar com o tempo em que vive. Assim o faz a ceramista que cria peças para o uso cotidiano em apartamentos urbanos ou artesãos que desenvolvem embalagens sustentáveis. 

 

O design como aliado: parcerias que potencializam 

GENCORK | CORTIÇA NATURAL E SUSTENTÁVEL EXPANDIDA POR IA NO SALÃO DO MÓVEL DE MILÃO 2024 | Foto Divulgação Salão do Móvel

Ao longo das últimas décadas, o diálogo entre artesanato e design tem se mostrado um dos caminhos mais férteis para a inovação no artesanato. Quando feito com respeito mútuo, esse encontro não submete o fazer manual ao projeto do designer, mas cria uma nova linguagem híbrida, que valoriza as duas potências. Autores como Ezio Manzini, em Design para a inovação social e sustentabilidade (2008), destacam que as comunidades artesanais, com sua inteligência do fazer, têm muito a ensinar à lógica industrial. A inovação surge quando o designer compreende o contexto do artesão e propõe soluções que melhorem seu trabalho, ampliem sua visibilidade e abram novos mercados, sem desconfigurá-lo. 

 

Experiência, narrativa e afeto como diferencial competitivo 

Exposição Firmamento, da Ilu Design, com peças feitas de materiais naturais e sustentáveis | Foto Acervo Pessoal Instagram, 2025

Nesses tempos de mercado saturado, o que diferencia um produto artesanal não é apenas a técnica ou a estética, mas a história que ele carrega. A inovação no artesanato também passa pela forma como o criador se comunica com o público: contar a trajetória da peça, mostrar o processo, apresentar as pessoas por trás do fazer, transformar o objeto em experiência. 

A socióloga Ana Carla Fonseca, em Economia Criativa: uma ferramenta de desenvolvimento urbano. Garimpo de Soluções, 2014, defende que o valor simbólico é um dos pilares da economia criativa. No artesanato, isso se traduz na valorização da cultura imaterial, da oralidade, da singularidade. Uma peça artesanal carrega o tempo de quem a fez, e a inovação no artesanato acontece quando esse tempo é apresentado com autenticidade ao mundo. 

 

 Sustentabilidade como inovação urgente 

Colares feitos com lacre de latinhas. Produtos do Projeto social Artesa Design de Luiza Bomeny | Foto: Acervo Pessoal Instagram, 2024
Luminária feita à mão de taboa, uma fibra natural e colares feitos com lacre de latinhas. Produtos do Projeto social Artesa Design de Luiza Bomeny | Foto: Acervo Pessoal Instagram, 2024

Outro eixo fundamental da inovação no artesanato é a sustentabilidade. O tema não se limita ao uso de matérias-primas naturais ou recicladas, mas envolve todo o processo produtivo: extração consciente, valorização da biodiversidade, respeito ao meio ambiente e às pessoas envolvidas na cadeia produtiva. 

Artesãos que integram práticas de agricultura e extrativismo etnoecológico, assim como de permacultura, reaproveitamento de resíduos, tinturaria natural e logística verde estão na vanguarda da inovação no artesanato. Eles não apenas preservam o planeta, mas ampliam o valor de seus produtos para um público global cada vez mais exigente com impacto socioambiental. 

 

Casos inspiradores de inovação no artesanato 

Peça produzida pelo coletivo Ponto Firme | Foto: Acervo Pessoal Instagram, 2024

Pelo país, são muitos os exemplos que mostram como é possível inovar sem perder a alma do ofício. No Pará, as mulheres ribeirinhas que trançam fibras de tucumã hoje desenvolvem coleções exclusivas para museus e galerias, mantendo viva a estética ancestral dos rios. Em Minas Gerais, ceramistas reinterpretam peças do barroco com linhas contemporâneas, criando obras que habitam tanto igrejas quanto bienais de arte. 

Em São Paulo, o coletivo Ponto Firme, criado por Gustavo Silvestre, transforma o crochê aprendido por detentos em moda de passarela. No Ceará, as rendeiras da Prainha dialogam com estilistas para criar roupas que misturam o feito à mão com modelagens urbanas. Em todos esses casos, a inovação no artesanato é um gesto de resistência criativa. 

 

Caminhos práticos para inovar sem perder a essência 

  1. Reflita sobre sua identidade como criador: quem você é, de onde vem sua técnica, o que quer comunicar? 
  1. Pesquise tendências e demandas do mercado, buscando pontos de conexão com sua prática. 
  1. Estabeleça parcerias com designers, pesquisadores e instituições que valorizem o saber tradicional. 
  1. Invista na sua comunicação: conte a história por trás do seu trabalho, compartilhe processos, conecte-se com o público. 
  1. Avalie seu impacto ambiental e busque soluções sustentáveis e circulares. 
  1. Experimente novos usos, novos formatos, novas aplicações para suas peças, sem abandonar seus princípios. 

 

Inovar é continuar vivo 

 

A base do cesto Cabelo, inspirado no jequi, que é uma armadilha de pesca comum no interior da Bahia | Foto: Theo Grahl, 2020

O artesanato brasileiro é, por natureza, dinâmico. Sempre foi. Não é estático como a moldura de um museu: ele vive no corpo, na casa, no dia a dia das pessoas. Por isso, a inovação no artesanato não é uma ruptura, mas um movimento contínuo. Um caminho de escuta, adaptação e criação. Manter a essência não é repetir o passado, mas sim ser fiel a ele enquanto se caminha em direção ao novo. É possível, sim, inovar sem perder a alma, e é isso que torna o artesanato brasileiro tão singular. Uma arte que pulsa entre tempos, entre territórios, entre saberes. E que, justamente por isso, nunca deixa de surpreender. 

 

Referências Bibliográficas 

BORGES, Adélia. Design + Artesanato: o caminho brasileiro. São Paulo: Instituto Walmart, 2011. 

FONSECA, Ana Carla. Economia Criativa: uma ferramenta de desenvolvimento urbano. Garimpo de Soluções, 2014. 

HERNÁNDEZ, Fernando. Culturas e práticas educativas: experiências com projetos, narrativas e portfólios. Porto Alegre: Artmed, 2000. 

MANZINI, Ezio. Design para a inovação social e sustentabilidade. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2008.