A beleza do agreste, as tradições folclóricas e o artesanato regional enriquecem as apresentações culturais da festividade brasileira
O Reisado, no Ceará, além de reavivar a viagem dos três Reis Magos, traz a referência cultural de um povo que tem estampado no peito a vivência no sertão nordestino. As festividades são realizadas entre o dia 26 de dezembro e 6 de janeiro e reúne milhares de foliões. Nos folguedos, formados por jovens e adultos, a riqueza do agreste é representada por danças, brincadeiras e cantorias devocionais. A fé e a força do povo brasileiro dão o tom a fardas e ornamentos, de forma artesanal, transformando os brincantes em reis, rainhas e palhaços, personagens esses responsáveis em animar as apresentações.
No Cariri, os reisados apresentam algumas divisões conforme o mestre que os conduz e características regionais, como Reisado do Congo, Reisados do Couro ou Reisados de Caretas, Reisados dos Irmãos, Reisado dos Bailes, dentre outros.
Com embates de uma cena medieval, brincantes erguem suas espadas em alusão a uma batalha, durante as festividades do Reisado do Congo. Os foliões relembram a história ao simbolizar elementos oriundos da cultura africana, indígena e portuguesa, como o Boi, o Javali, o Jaraguá e o Burrinha.
O Reisado de Couro ou Reisado de Caretas ressalta, na caracterização de cada brincante, a relação fazendeiros e vaqueiros, a criação de gado, e o artesanato local dispostos em peças, apetrechos, roupas, entre outros itens produzidos. Com máscaras feitas de couro, alguns personagens trazem nas danças e em seus movimentos, o jeito alegre de relembrar as tradições regionais e sua importância para o povo.
Mestre Aldenir mantém viva a comemoração da Tiração de Reis no Cariri
Uma das lendas vivas dos Reisados, mestre Aldenir é responsável em perpetuar as tradições populares por gerações. Iniciante no reisado no ano de 1955, o artista formou muitos grupos de brincantes, trouxe para a folia, sua vivência e conhecimento, conduzindo a participação de cada folião, trazendo organização, ritmo e alegria nas danças e cantorias. Mestre Aldenir cobrava dos novos mestres, a criação de peças (músicas) de própria autoria, garantindo dessa forma que as apresentações tivessem sempre uma novidade, tornando-as inesquecíveis.
A rica contribuição do mestre Aldenir aos grupos de Reis do Congo e a cultura popular brasileira, tem rendido várias homenagens ao artista. Neste ano de 2024, foi inaugurado o Museu Orgânico Mestre Aldenir na cidade do Crato no Ceará. O espaço apresenta uma coletânea de fotos, indumentárias, relatos das apresentações e instrumentos folclóricos utilizados junto aos grupos de reis.
Sua importância também foi reconhecida nos anos de 1997 e 2004 quando recebeu, respectivamente, da Prefeitura do Crato e do Governo do Ceará, os títulos de Mestre do Saber e da Artes do Povo de Cariri e Tesouro Vivo da Cultura.
Romaria de brincantes levam danças folclóricas aos moradores do Cariri
Em uma sequência orquestrada pelo mestre ou embaixador, os foliões dão início a abertura das festividades com a Abrição da Porta, cena em que o mestre, ao som de apitos, conduz rodopios e as danças dos brincantes. Em seguida dá início a Entrada, na qual foliões com seus tambores, bumbos, pandeiros e violões entoam as cantorias da festividade e tecem elogios ao dono da casa que recebera o grupo de reis
Seguindo em visita às casas dos moradores, os brincantes interpretam personagens como: rei, rainha, palhaços (Mateus e Catirina) e entremeios (boi, jaraguá, burrinha, dentre outros).
A cada parada na casa dos moradores, o grupo de reis apresenta esquetes de devoção ao divino, representações folclóricas com danças envolvendo os entremeios como o boi, simulando sacrifício do animal, e encenação de guerra com lutas de espadas e intervenção de palhaços para trazer o tom cômico a cena.
- Mestre ou Embaixador é o responsável em puxar os versos e cantorias, organizar e conduzir todos os personagens das encenações, garantindo assim harmonia a festividade.
- Rei e Rainha — Personagens mostrando poder e autoridade
- Mateus e Catirina (palhaço ou bobo da corte) —Tem a função de animar cada ato da encenação, tirando risos de quem acompanha a festividade.
- Entremeios (boi, jaraguá, burrinha, dentre outros bichos) — representações folclóricas de bichos e seres que permeiam as tradições regionais.
Reisado do Cariri e sua simbologia ganha forma em peças artesanais
As tradições nordestinas levam inspiração para artesãos produzirem verdadeiras obras de arte para as comemorações dos Reisados em Cariri. As peças não somente contam a história do nascimento de Jesus, mas também trazem todo o simbolismo do agreste com sua caatinga, a devoção ao divino e os costumes de muitas gerações. Todo esse arsenal histórico e fontes de saber ganham espaço nas indumentárias e adornos utilizados pelas companhias de Reis de Cariri.
Nos Reisados do Congo, encontramos máscaras imitando bois, capas floridas, chapéus, espadas, coroas, capacetes e fardas. Elementos esses, confeccionados artesanalmente e que fazem os brincantes e os entremeios (bichos destacados em cada encenação) se apoderarem do personagem com mais vigor e desenvoltura. Nas festividades, os mestres chamam, no desenrolar das apresentações, cada entremeio, entre eles: o boi, o zabelê, guriabá, jaraguá, cão e alma, e lobisomem garantindo assim graça e movimento as comemorações.
Nos Reisados do Couro ou Caretas destacam-se máscaras confeccionadas com couro de boi, adornadas por papéis coloridos, tecidos e fitas de cetim. Durante as apresentações, os caretas, devidamente mascarados, se divertem durante dança de roda em sinergia com o personagem do boi envolto de fitas e tecidos coloridos e espelhos, dando vida aos aspectos folclóricos do Nordeste.
Manifestações culturais ressaltam a importância do artesanato
A produção artesanal nordestina carrega um legado histórico que permeia gerações e demonstra a riqueza da história do Brasil em cada peça produzida. A região do Cariri é considerada um dos principais polos de produção de artesanato do país, tendo como base de suas obras, o couro, palha, milho, barro, madeira, dentre outros elementos, sendo muitos deles oriundos da agricultura e da pecuária.
As tradições familiares de rituais devocionais, como os reisados, as romarias e seus ex-votos chegam como um tempero nas mãos de artesãos cearenses que trazem o imaginário das festividades para suas peças. Além das confecções das indumentárias e acessórios utilizados nos Reisados, os artesãos da região são reconhecidos pela riqueza de suas coleções, como chapéus, roupas, bolsas, potes, panelas, sapatos, bonecas, vasos, luminárias, esculturas, e itens decorativos.
As peças produzidas são verdadeiras obras de arte. Cada uma traz consigo uma história, um colorido que narra a magia do folclore, revelam a luta e a fé inabalável do povo nordestino. Muito admiradas por turistas, o artesanato faz parte da cultura popular brasileira. Em 2023, peças confeccionadas por artesãos cearenses foram expostas no Museu do Louvre em Paris, na França. As obras escolhidas foram esculpidas em madeiras e retratavam a arte popular do Cariri.
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