Ambiente de Gabriel Fernandes na Casacor São Paulo, com forno à lenha e filtro de barro (Foto: MCA Estúdio, 2024)
Ambiente de Gabriel Fernandes na Casacor São Paulo, com forno à lenha e filtro de barro (Foto: MCA Estúdio, 2024)

Quando entramos numa casa brasileira, decorada com fibras naturais, cerâmicas e tapeçarias bordadas, não estamos apenas registrando a presença de objetos; estamos vivenciando a identidade cultural de um país amplamente diverso e criativo. O artesanato no Brasil desempenha um papel fundamental na construção da identidade nacional. Esta herança se manifesta em diversas áreas da criatividade, e uma das que hoje apresenta grande expressão é o design de interiores. Através dele, a tradição se manifesta em espaços, celebrando nossa história e criatividade. Ao incorporar o artesanal nos ambientes residenciais e comerciais, arquitetos, designers e moradores não apenas enriquecem os espaços com beleza e originalidade, mas também perpetuam narrativas ancestrais. O artesanato, assim, passa a ser um veículo essencial para a preservação da identidade cultural brasileira. 

          

  A influência histórica do artesanato no design de interiores  

Peças artesanais incorporadas aos ambientes trazem autenticidade e história (Foto: Acervo Pessoal Instagram Loja Divino Trancoso, 2024)
Peças artesanais incorporadas aos ambientes trazem autenticidade e história (Foto: Acervo Pessoal Instagram Loja Divino Trancoso, 2024)

Desde os tempos coloniais, o artesanato tem sido uma expressão vital da cultura brasileira. Elementos como a cerâmica indígena, as rendas nordestinas e a marcenaria tradicional refletem nossa ampla diversidade regional e são incorporados ao design de interiores para criar ambientes que combinam autenticidade e acolhimento.  

O romantismo e o ecletismo do século XIX trouxeram uma fusão de estilos para a decoração, combinando mobiliário clássico com detalhes regionais tradicionais, trazendo assim o artesanato para o design de interiores e enriquecendo a estética dos lares brasileiros.  

Atualmente, podemos encontrar muitos projetos residenciais que incorporam o artesanato brasileiro para criar espaços que refletem a identidade cultural dos seus moradores. Peças como tapetes de tear manual, cerâmicas artesanais e móveis de madeira são utilizadas para adicionar personalidade e calor aos ambientes. Já nos espaços comerciais, o artesanato é usado para criar ambientes que se conectam com os clientes num nível emocional. Restaurantes, hotéis e lojas incorporam elementos artesanais para transmitir autenticidade e valorizar a cultura local. 

Hotel Rosewood em São Paulo, incorpora design e luxo aos seus ambientes (Foto: Haus, 2024) 
Hotel Rosewood em São Paulo, incorpora design e luxo aos seus ambientes (Foto: Haus, 2024)

 

Materiais vernaculares: tradição e inovação no design de interiores  

Fibras e trançados naturais: textura e conforto visual  

Poltrona do projeto Artesa Design, que usa o design como ferramenta de transformação social. Feita em taboa, foi desenvolvida por artesãos do Rio de Janeiro em parceria com a consultora Luiza Bomeny (Foto: Artesa Design, 2024) 
Poltrona do projeto Artesa Design, que usa o design como ferramenta de transformação social. Feita em taboa, foi desenvolvida por artesãos do Rio de Janeiro em parceria com a consultora Luiza Bomeny (Foto: Artesa Design, 2024)

Encontradas em diversas regiões do país, fibras vegetais como a carnaúba, o buriti e arumá são trançadas de maneira artesanal há séculos e hoje fazem parte da composição de painéis, luminárias, cestos e móveis. A escolha desses materiais confere textura e aconchego aos espaços, além de proporcionar uma atmosfera que conecta o ambiente com a natureza. São peças que aparecem na decoração contemporânea, tanto em residências quanto em espaços públicos como restaurantes e hotéis, promovendo uma estética sofisticada que mantêm, ao mesmo tempo, a identidade cultural local. 

 

Cerâmica artesanal: formas que contam histórias  

Cerâmica do A.Terra Estúdio de Mary Yamakawa; texturas táteis e visual rústico, os tons terrosos também celebram a terra: de onde viemos e para onde vamos. (Foto: Acervo Pessoal Instagram, 2024) 
Cerâmica do A.Terra Estúdio de Mary Yamakawa; texturas táteis e visual rústico, os tons terrosos também celebram a terra: de onde viemos e para onde vamos. (Foto: Acervo Pessoal Instagram, 2024)

O Brasil ostenta uma impressionante diversidade na produção de artesanato com argila, desde a cerâmica marajoara às bonecas de barro do Vale do Jequitinhonha. Tais objetos, além de funcionais, carregam consigo símbolos, grafismos e histórias – muito específicas – de cada comunidade. Integradas ao design de interiores, as peças de cerâmica agregam, paralelamente, rusticidade e sofisticação a prateleiras, aparadores e mesas, celebrando a diversidade da nossa identidade cultural.  

 

Tecelagem, rendas e bordados: delicadeza que transforma ambientes  

Tapete tecido em tear manual nas técnicas de kilim e tufting pela Voador Tecelagem da artesã Valentina Saldanha (Foto: Acervo Pessoal, 2023) 
Tapete tecido em tear manual nas técnicas de kilim e tufting pela Voador Tecelagem da artesã Valentina Saldanha (Foto: Acervo Pessoal, 2023)

As rendas do Nordeste, os bordados mineiros e as tecelagens indígenas são alguns exemplos de como a produção têxtil artesanal ocupa um lugar de destaque na decoração brasileira. Afetivas e nostálgicas, cortinas de renda, almofadas bordadas e tapetes de tear manual embelezam espaços e evocam a memória coletiva, a tradição familiar. São itens que reforçam o caráter afetivo e a identidade cultural de quem transita por esses ambientes.  

 

Madeira e marcenaria tradicional: o calor do feito à mão  

Casa Viva de Henrique Freneda propõe morada afetiva e sustentável com madeiras de reflorestamento (Foto: Roberta Gewehr, 2025) 
Casa Viva de Henrique Freneda propõe morada afetiva e sustentável com madeiras de reflorestamento (Foto: Roberta Gewehr, 2025)

As madeiras de reaproveitamento, talhadas ou entalhadas manualmente, são amplamente usadas na fabricação de móveis e objetos de decoração. Técnicas como a marchetaria e o uso da palhinha, tão valorizadas na arquitetura moderna brasileira, voltaram com toda a força ao design atual. Esses elementos enriquecem os espaços com texturas naturais, ao mesmo tempo que reafirmam a valorização da identidade cultural através do trabalho manual e sustentável.  

 

Superfícies artesanais: texturas que moldam atmosferas

Relíquias internas e externas da azulejaria portuguesa em Olinda (Foto: Duca, 2011) 
Relíquias internas e externas da azulejaria portuguesa em Olinda (Foto: Duca, 2011)

O uso do artesanato em superfícies ganha cada vez mais relevância no design de interiores. Azulejos pintados à mão, como os de Ateliê Mameluca, em Olinda, ou os da Cerâmica Luiz Salvador, em Petrópolis, trazem cor, identidade e história às paredes e aos pisos. Já os cobogós artesanais, como os desenvolvidos pelo Estúdio Manus em parceria com artesãos locais, integram função estética e climática. Tecidos artesanais aplicados a paredes, como tapeçarias e painéis têxteis, agregam sofisticação e conforto acústico, além de reforçarem narrativas culturais. Esses elementos transformam superfícies em protagonistas do ambiente, elevando o artesanato ao patamar da arquitetura. 

 

As cerâmicas de Luiz Salvador  (Foto: Site Divulgação Descubra Petrópolis, 2022) 
As cerâmicas de Luiz Salvador  (Foto: Site Divulgação Descubra Petrópolis, 2022)

 

Tecidos que moldam espaços: tramas que vestem e aquecem 

 

Rede tecelagem manual utilizando algodão da Tucum Brasil  (Foto: Site Divulgação Tucum Brasil, 2024) 
Rede tecelagem manual utilizando algodão da Tucum Brasil  (Foto: Site Divulgação Tucum Brasil, 2024)

Têxteis artesanais também têm sido aplicados diretamente em paredes e mobiliário, criando painéis acústicos, cabeceiras e biombos que, além de funcionais, trazem texturas táteis e afeto. Tecelagens como as da Rede Tucum, do Amazonas, são utilizadas para criar superfícies vivas, cuja trama carrega narrativas de território, ancestralidade e sustentabilidade. Essa aplicação amplia o papel do tecido: de mero adorno, passa a ser elemento estruturante da ambiência, envolvendo os espaços em camadas de memória e identidade. 

 

Cobogó artesanal: luz, sombra e saber popular 

Cobogó Pernambucano possibilita ventilação natural e proteção solar, quesitos importantes para edificações tropicai (Foto: Josivan Rodrigues, 2013)  
Cobogó Pernambucano possibilita ventilação natural e proteção solar, quesitos importantes para edificações tropicai (Foto: Josivan Rodrigues, 2013)

Outro exemplo de superfície com forte valor simbólico e artesanal é o cobogó. Criado no Brasil na década de 1920, ele foi resgatado nos últimos anos por artesãos ceramistas e designers, que exploram sua geometria para criar jogos de luz e ventilação natural com forte apelo estético. Peças moldadas à mão, como as da Oficina Ethos, em Recife, demonstram como o cobogó pode ser revalorizado como um elemento escultórico, funcional e enraizado na cultura construtiva brasileira, especialmente no Norte e Nordeste. 

 

Arquitetura artesanal: quando a estrutura é o ornamento 

Casa de taipa no sertão do Rio Grande do Norte. Nela é possível visualizar sua estrutura de barro  (Foto: Wagner ROCHINK, 2024)
Casa de taipa no sertão do Rio Grande do Norte. Nela é possível visualizar sua estrutura de barro  (Foto: Wagner ROCHINK, 2024)

Por fim, há projetos arquitetônicos em que o próprio sistema construtivo se torna uma superfície artesanal, como no uso de taipa de pilão, adobe ou madeira encaixada sem pregos. Essas técnicas, herdadas de tradições indígenas, africanas e caiçaras, têm sido reinterpretadas por escritórios contemporâneos em diálogo com mestres locais. Casas feitas com barro e fibras, por exemplo, possuem paredes que não apenas sustentam, mas expressam — revelando o gesto do artesão em cada textura. Assim, o artesanato deixa de ser ornamento e se torna parte vital da pele e da alma do espaço. 

 

O design dentro da decoração brasileira  

Espaço Janete Costa na Fenearte, em Pernambuco, inserindo arte tradicional e popular em projetos de interiores (Foto: Daniela Nader, 2022) 
Espaço Janete Costa na Fenearte, em Pernambuco, inserindo arte tradicional e popular em projetos de interiores (Foto: Daniela Nader, 2022)

Arquitetos como Lina Bo Bardi e Janete Costa foram pioneiras ao incluir o artesanato popular nos espaços projetados, promovendo um diálogo entre a tradição e a modernidade. Atualmente, designers como Sergio J. Mattos e Marcelo Rosembaum seguem essa mesma trilha, desenvolvendo produtos e coleções que valorizam a produção artesanal, levando a identidade cultural brasileira a feiras e mostras internacionais.  

 

Cenas do Living Diálogos de Nanda e Bruna Milcent na Casacor Bahia. Na estante, cerâmicas de Maragogipinho, situado em Aratuípe, no Recôncavo baiano, maior centro de barro e cerâmica da América Latina (Foto: Tarso Figueira, 2024) 
Cenas do Living Diálogos de Nanda e Bruna Milcent na Casacor Bahia. Na estante, cerâmicas de Maragogipinho, situado em Aratuípe, no Recôncavo baiano, maior centro de barro e cerâmica da América Latina (Foto: Tarso Figueira, 2024)

A casa brasileira apresenta suas características muito particulares; em residências podemos notar que o artesanato ocupa símbolos de pertencimento afeto: uma cadeira de balanço com encosto de palhinha, uma manta de crochê no sofá, um vaso de barro. Tais elementos transformam ambientes, aproximando os moradores de suas raízes. Nos espaços comerciais, os elementos artesanais funcionam como marca de autenticidade estratégia de diferenciação, reforçando o vínculo entre o estabelecimento e a identidade cultural local.  

 

Identidade cultural como fio condutor dos interiores brasileiros  

Exposição A CASA BORDADA, no CRAB (Foto: Reginaldo Pimenta, 2018) 
Exposição A CASA BORDADA, no CRAB (Foto: Reginaldo Pimenta, 2018)

 

Exposição “A casa bordada:”: um mosaico da identidade cultural brasileira 

A exposição “A casa bordada” foi apresentada em 2018 pelo Centro Sebrae de Referência do Artesanato Brasileiro (CRAB), no Rio de Janeiro. A instalação ilustrou como técnicas tradicionais podem ser integradas a projetos contemporâneos de design de interiores, exaltando a diversidade e a força da nossa identidade cultural. 

Além da ambientação sensível e imersiva, que replicava os cômodos de uma casa brasileira, a mostra destacou como as práticas do bordado e da costura,  muitas vezes vistas como ofícios femininos e domésticos,  podem se transformar em linguagem estética, política e social no contexto do design. Os trabalhos, assinados por artesãs de diferentes regiões do Brasil, mostraram a riqueza da produção manual e sua capacidade de narrar histórias pessoais e coletivas. Os objetos dialogavam com o espaço de forma poética, trazendo o corpo e a memória para o centro do ambiente doméstico. 

O espaço-instalação artística, de Alexandre Salles na Casacor São Paulo, apresenta o Terreiro, com foco na ancestralidade afro-brasileira (Foto: Bia Nauiack, 2024) O artesanato brasileiro, quando incorporado ao design de interiores, transforma os ambientes em narrativas vivas de pertencimento, história e criatividade. Materiais vernaculares, técnicas ancestrais e novos olhares se entrelaçam para criar espaços únicos, nos quais a identidade cultural brasileira é celebrada e transmitida. Investir em artesanato não é apenas uma escolha estética, mas um compromisso com a valorização dos saberes e fazeres ancestrais, desenvolvendo um design de interiores que honra suas raízes e projeta novos futuros. 

O espaço-instalação artística, de Alexandre Salles na Casacor São Paulo, apresenta o Terreiro, com foco na ancestralidade afro-brasileira  (Foto: Bia Nauiack, 2024) 
O espaço-instalação artística, de Alexandre Salles na Casacor São Paulo, apresenta o Terreiro, com foco na ancestralidade afro-brasileira  (Foto: Bia Nauiack, 2024)

O artesanato brasileiro, quando incorporado ao design de interiores, transforma os ambientes em narrativas vivas de pertencimento, história e criatividade. Materiais vernaculares, técnicas ancestrais e novos olhares se entrelaçam para criar espaços únicos, nos quais a identidade cultural brasileira é celebrada e transmitida. Investir em artesanato não é apenas uma escolha estética, mas um compromisso com a valorização dos saberes e fazeres ancestrais, desenvolvendo um design de interiores que honra suas raízes e projeta ovos futuros.  

 

Referências bibliográficas  

ANGUS, Tim; HARDING, Robin; WALLACE, Jen. The social wellbeing impacts of participation in the arts and culture: Summary of the first year of the Understanding Everyday Participation – Articulating Cultural Values (UEP) research project. Anglia Ruskin University, 2017. Disponível em: https://research.anglia.ac.uk 

ARTESOL. O afeto no design de interiores. Artesol, 2023. Disponível em: https://artesol.org.br/stories/o-afeto-no-design-de-interiores/ 

ARCHDAILY. Elementos artesanais: materiais e texturas para enriquecer os ambientes da casa. ArchDaily Brasil, 2022. Disponível em: https://www.archdaily.com.br 

ATELIÊ MUDA. Azulejos artesanais. Instagram. Disponível em: https://www.instagram.com/atelie.muda 

CASA DE VALENTINA. Palhinha indiana e seu uso na arquitetura e decoração. Blog Casa de Valentina, 2023. Disponível em: https://www.casadevalentina.com.br 

CERÂMICA LUIZ SALVADOR. Coleção azulejos. Site oficial, 2024. Disponível em: https://www.ceramicaluizsalvador.com.br 

CRAB – CENTRO SEBRAE DE REFERÊNCIA DO ARTESANATO BRASILEIRO. Arquitetura, Design e Artesanato: as feiras que conectam tendências. CRAB, 2024. 

OFICINA ETHOS. Cobogós artesanais e design em cerâmica. Instagram, 2024. Disponível em: https://www.instagram.com/oficinaethos 

REDE TUCUM. Tecelagens e trançados amazônicos. Site institucional, 2023. Disponível em: https://www.redetucum.org.br 

SEBRAE. Artesanato na moda e na decoração é tendência. Agência Sebrae de Notícias, 2023. Disponível em: https://agenciasebrae.com.br 

VOADOR TECELAGEM. Tear manual e têxteis artesanais contemporâneos. Instagram, 2023. Disponível em: https://www.instagram.com/voadortecelagem