Ao som de zabumbas e reco-reco, brincantes erguem bandeiras produzidas por artesãos locais, dando início às comemorações e às tradições culturais da região.
Características regionais do Rio trazem novos matizes para as festividades da Folia de Reis, também conhecida como Festa de Santos Reis. As comemorações destacam, de forma simbólica, a representação do nascimento do menino Jesus, os reis magos, os soldados de Herodes e todo o imaginário das manifestações culturais e religiosas da região.
De norte a sul do estado do Rio de Janeiro, grupos de Reis de cidades como Angra dos Reis, Valença, Paraty, Duque de Caxias, Cabo Frio e Rio das Ostras orquestram verdadeiros espetáculos durante romaria às casas dos moradores. As comemorações são realizadas no período de 24 de dezembro, e se estendem até o dia 6 de janeiro, contudo, em algumas cidades, elas seguem até o dia 20 de janeiro, dia de São Sebastião, padroeiro do Rio.
Com tradição de mais de 50 encontros de Folia de Reis, a cidade de Valença expressa em grupos de Reis como o Estrela do Oriente, especificidades da região, percebida e ressaltada nas vestimentas e adereços utilizados pelos foliões, bem como em suas cantorias em devoção ao divino.
As características regionais definem os rituais seguidos por cada grupo de reis. Na região fluminense, os foliões representam personagens como: mestre, contramestre, bandeireiro(a), músico e bastião (palhaço).
Folia de Reis Estrela do Oriente mantém a tradição popular na Baixada Fluminense
Na cidade de Duque de Caxias, dona Maria dos Anjos, 88 anos, é responsável pela fundação da Folia de Reis Estrela do Oriente e em vivificar as tradições culturais da região. Nos autos, foliões vestidos de fardas, munidos de violões, gaitas e bumbos, visitam as casas dos moradores, carregando no braço as bandeiras com os símbolos da religiosidade.
O grupo entoa cânticos devocionais relembrando a história bíblica, abençoando o lar e os que ali residem. Em retribuição ao ritual, os moradores oferecem alimentos em sinal de gratidão.
Personagem integrante da festividade, o bastião, também conhecido como palhaço, em suas vestes coloridas com muitas fitas e tecido, é o único que não tem permissão de adentrar os lares, uma vez que ele retrata os soldados de Herodes que tentaram matar Jesus.
Indumentárias e máscaras produzidas, artesanalmente, traduzem o valor da folia para a região fluminense
Um espetáculo à parte, as vestimentas e adornos utilizados pelos Grupos de Reis narram, por si só, a história do sincretismo religioso e os costumes regionais. Artesãos fluminenses traduzem o imaginário da Folia de Reis em cada peça produzida.
Os aspectos locais ganham corpo nos tecidos coloridos, pedrarias, penas, fitas, palhas que, de forma artesanal, são transformados em coroas, máscaras de palhaço, bandeiras, fardas, túnicas, dentre outros elementos utilizados nos grupos de Reis.
As máscaras de palhaço são confeccionadas com peles de animais, dentre eles o pelego (couro de carneiro curtido e tingido), espuma e até chifres de boi, o que confere um ar assustador ao personagem. As roupas do Bastião são produzidas com tecidos de cetim coloridos. Com rodopios, movimentos fortes e expressivos com as mãos e a cabeça, a expressão corporal dos palhaços, que representam os soldados de Herodes, incita cenas de luta ao mesmo tempo, em que convida as pessoas a participar da brincadeira.
As bandeiras produzidas, de forma artesanal, com madeira, tecidos, flores feitas com papel e fitas de cetim, apresentam símbolos da religiosidade, do sagrado, fazendo referência ao nascimento do menino Jesus e os Reis Magos, e, em algumas folias carrega o nome do grupo de Reis. É o primeiro elemento a entrar na casa dos moradores durante a romaria e representa respeito e devoção ao sagrado.
Meio século da Folia de Reis em Angra dos Reis
Com uma história à parte, a Folia de Reis da cidade de Angra dos Reis traz um legado cultural para a comemoração. A cidade foi descoberta no dia de Reis há mais de 500 anos. Todo ano, Angra traz para a festividade toda a singularidade da colonização pelos portugueses e as representações católicas cultivadas desde então.
Segundo o professor de história João Luiz Silva Oliveira, em reportagem ao portal da Prefeitura de Angra dos Reis, a Folia de Reis em Angra dos Reis, inicialmente, apresentava duas formas de encenar a folia. Uma era “muda” na qual os foliões levavam a bandeira com símbolos do sagrado em procissão às casas dos moradores, cantando as orações e criando o ritmo musical, sem contar para isso com instrumentos musicais.
Já a modalidade “cantada” segue o rito das comemoradas em boa parte das cidades do país, com o acompanhamento de viola e pandeiro, dentre outros elementos, anunciando a entrada do grupo de Reis às casas dos moradores.
Versos cantados, violeiros e mesa farta trazem brilho para a Folia de Reis em Paraty
A paisagem bucólica e a arquitetura da cidade criam um cenário mágico para as comemorações da festa de Reis. Conduzido pelo Mestre Gerson Vieira, há mais de 25 anos, o grupo de Reis Caiçara de Paraty faz emergir em suas apresentações a famosa “ladainha da roça”, na qual os foliões entoam versos cantados, em devoção ao divino.
Adornos, vestimentas e tecidos coloridos, cedem lugar para os cantadores que trazem a essência da festividade nos números musicais, durante as caminhadas pela cidade. O cortejo, acompanhado de tocadores de violão, cavaquinho, sanfona e pandeiros, leva para a população a alegria em manter a tradição viva em um manancial de ritmos, com oferenda de bebidas e mesa farta preparada pelas casas que o recebem.
Diferente das demais regiões do país, Paraty inicia as festividades no dia 8 de dezembro e se estende até o dia do padroeiro do Rio de Janeiro, São Sebastião, em 20 de janeiro.
Folia de Reis Bem Imaterial
A Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), em acordo técnico com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), produziu o Inventário Nacional de Referências Culturais das Folias de Reis do Estado do Rio de Janeiro. O documento foi publicado no ano de 2016 e procura identificar e documentar a expressão cultural popular da Folia de Reis Fluminense, criando, dessa forma, subsídios para o possível registro da festividade como Patrimônio Imaterial da Cultura Brasileira.
As cidades que conquistam o referido título são beneficiadas com políticas públicas e podem receber investimento para a manutenção da festividade, possibilitando a compra de instrumentos, a estruturação de espaços para formação de novos brincantes, perpetuando a tradição para muitas gerações.
No Brasil, a Folia de Reis ou Reisado já é considerada Patrimônio Cultural Imaterial em algumas regiões, dentre elas o da cidade de Minas Gerais.
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