Nascido no Cariri cearense, Espedito Veloso de Carvalho, neto de Gonçalo Seleiro e filho de Raimundo Seleiro, é um hábil artesão, artista popular e seleiro. Foi homenageado na exposição “Mestre de Ofício – Espedito Seleiro” no Centro Sebrae de Referência do Artesanato Brasileiro (CRAB). O visitante dessa mostra teve a oportunidade, não apenas de apreciar a arte de Espedito, mas também de mergulhar na rica cultura da região do Cariri e explorar seus sítios arqueológicos.

Espedito é um criador nato, que demonstra excelência em sua obra. Suas peças se renovam e se reinventam ao longo de sua trajetória, e o mestre tem plena consciência desse processo. As obras de Espedito Seleiro dispensam assinatura, pois sua identidade visual é reconhecida em qualquer material ou objeto que a apresente. Sua arte trouxe novas perspectivas ao Nordeste, destacando a região como uma potência criativa capaz de figurar em passarelas, móveis de design e até mesmo em camisas de times de futebol.

Fundação Casa Grande – Memorial Homem do Kariri.

A Fundação Casa Grande – Memorial Homem do Kariri, fundada em 1992, desempenha um papel de suma importância nessa história e no território. Localizada na cidade de Nova Olinda (CE), é um epicentro de transformação social e cultural. Idealizada por Alemberg Quindins e sua falecida esposa, Rosiane Limaverde, a fundação dedica-se não apenas à preservação da memória local, mas também à capacitação de artesãos para geração de renda, apoio à pesquisa com seus acervos, produção cultural, entre outras atividades.

A fundação tornou-se um farol, revelando tradições, mitos e ritos, além de incutir um forte senso de orgulho e pertencimento à região do Cariri.

Fundação Casa Grande Cariri
Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri

Memorial e Encantamentos.

Na segunda sala, o visitante da exposição era convidado a explorar mais a Fundação Casa Grande, percebendo-a como uma extensão das casas da região. Elementos de religiosidade e referências aos antepassados decoram suas paredes, enquanto o Kariuzinho, guardião da Casa Grande, conduz histórias ricas e curiosas.

Segunda sala de exposição Espedito Seleiro
Segunda sala de exposição Espedito Seleiro – Fundação Casa Grande, no Cariri.

Alemberg é um personagem crucial para a história de Mestre Espedito, sendo ele quem fez a primeira encomenda ao artesão: as famosas sandálias de Lampião, conhecidas por sua peculiar sola quadrada.

Sandálias Espedito Seleiro
Sandália Espedito Seleiro

Conta a lenda que o próprio Lampião encomendou as primeiras sandálias desse modelo, de sola retangular, como uma forma de despistar a polícia, sempre no encalço de seu bando. Ao ter a sola retangular, não dava para saber se estava indo

Território.

A grandeza cultural do Cariri, um território que tem como área de influência a região sul do Ceará e a região situada na divisa dos estados de Pernambuco, Paraíba e Piauí. Compartilhando similaridades culturais e a efervescência de uma metrópole, essa região é abençoada pelos encantos da Chapada do Araripe, proporcionando um cenário de fundo impressionante.

Chapada do Araripe
Chapada do Araripe – Cariri

Na primeira sala da exposição “Mestre de Ofício – Espedito Seleiro”, o visitante pôde ver em um mesmo local a Casa Grande e a Chapada do Araripe

primeira sala da exposição “Mestre de Ofício - Espedito Seleiro
Primeira sala da exposição “Mestre de Ofício – Espedito Seleiro.

Aboio, poesia, fé e conexão com a natureza.

A terceira sala da exposição “Mestre de Ofício – Espedito Seleiro”  foi uma representação do aboio, um canto sem palavras que é parte da essência do ser vaqueiro. Esse canto é uma expressão da alma do vaqueiro e de sua ligação com a natureza e com a fé. O aboio é uma forma de comunicação entre os vaqueiros, mas também é uma forma de expressão artística. É um canto que pode ser triste, alegre, saudoso, mas sempre é um canto de beleza e de harmonia. O aboio é um símbolo da cultura vaqueira, e é uma forma de preservar a memória e a tradição desse povo.

O aboio tem origem árabe, e surgiu nos desertos do Oriente Médio por volta do século XI ou X a.C. Era um canto de adoração aos deuses das religiões politeístas. No Egito, era cantado pelos súditos para adorar o faraó.

Chegou ao Brasil no final do século XVI, com os africanos, como canto de libertação do trabalho escravo. A poesia foi trazida pelo poeta Bandarra, ainda no século XVI, em folhetos onde narrava a história do rei D. Sebastião.

Com abolição da escravatura no Brasil, no final do século XIX, alguns escravos continuaram a trabalhar nas fazendas como vaqueiros. O aboio passou a ser usado como canto de aproximação do vaqueiro com o gado.

O aboio se tornou uma expressão cultural importante do Nordeste brasileiro. É um canto de beleza e harmonia, que reflete a ligação do vaqueiro com a natureza e com o gado.

Terceira sala da exposição “Mestre de Ofício - Espedito Seleiro
Terceira sala da exposição “Mestre de Ofício – Espedito Seleiro.

O ciclo do couro e a cultura vaqueira.

Na quarta sala da exposição, o visitante é transportado para o Sertão das boiadas, onde o couro é matéria-prima vital para a economia e cultura do Nordeste. O caminho das boiadas, celebrado durante a missa, era um legado que os vaqueiros carregavam com orgulho.

Esse legado se perpetuou no ciclo do couro, que ainda hoje é uma atividade importante para a região. O couro é utilizado na fabricação de diversos objetos, desde roupas a utensílios domésticos. É uma matéria-prima nobre e versátil, que reflete a força e a determinação do povo nordestino.

Na quinta sala, somos apresentados à figura do vaqueiro, um personagem crucial na construção do imaginário do Sertão. Seus trajes, como gibão, perneiras, chapéu e alpercatas, são peças emblemáticas que ressoam a valentia e a tradição do sertanejo.

O vaqueiro é um símbolo de resistência e orgulho. É um homem que vive em harmonia com a natureza, e que se dedica à criação de gado e à preservação da cultura nordestina.

Quarta sala da exposição “Mestre de Ofício - Espedito Seleiro”
Quarta sala da exposição “Mestre de Ofício – Espedito Seleiro”

O Museu do Ciclo do Couro e a Herança do Mestre.

A sexta sala da exposição é representada pela fachada laranja do Museu do Ciclo do Couro. Esse museu orgânico, inaugurado em 2014, mostra a trajetória do mestre, desde a máquina de costura até os desfiles de moda.

Em 2014, a fundação Espedito Seleiro e a Fundação Casa Grande, em parceria com o GeoPark Araripe inauguraram, na cidade de Nova Olinda, o Museu do Ciclo do Couro. A objetividade narrativa e a expografia desse museu singelo, muito clara e compreensível, resultam de uma concepção ousada. Os envolvidos optaram por criar um espaço que raramente é fechado e no qual se abre mão da vigilância, devidamente protegido apenas pelo respeito que inspiram.

A curadoria é de Alemberg Quindins. Sua esposa, Rosiane Limaverde, cuidou da arqueologia histórica e Lis Cordeiro, da expografia. Algumas das primeiras peças feitas por Mestre Espedito foram preservadas e integram o acervo do museu. A excelência técnica e o apuro dos elementos decorativos marcam presença, mesmo em objetos feitos na adolescência do mestre. As primeiras ferramentas, usadas até o máximo desgaste, também compõem o acervo exposto.

A Maestria do Mestre Espedito Seleiro.

A exposição “Mestre de Ofício – Espedito Seleiro”, realizada no CRAB, na Praça Tiradentes, no Centro do Rio de Janeiro, foi uma imersão na rica cultura do Cariri. A exposição, dividida em oito salas, cada uma com uma temática específica. Pode ser melhor observada aqui.

O visitante era transportado para a oficina de Espedito Seleiro, o coração do patrimônio local. Onde o processo criativo preserva valores tradicionais, registrando a contemporaneidade do trabalho manual com a força do fazer artesanal.

A maestria de Espedito Seleiro revelou que cada peça tem um coração. Mais do que um artesão, Espedito é um contador de histórias, fazedor de tempos, mantendo viva a tradição do couro.

A exposição no CRAB foi mais do que uma jornada pelo trabalho de Espedito Seleiro; foi uma imersão na rica cultura do Cariri. Desde a entrada, cada sala contava uma história única, entrelaçando tradição, fé e o saber artesanal transmitido por gerações. Ao explorar as salas, testemunhamos não apenas o legado de Espedito Seleiro, mas também a herança viva do Cariri, que resplandece como um verdadeiro patrimônio da humanidade.

Pesquisa: Mayara Fonseca e Bruna Pelegrino

Texto: Mayara Fonseca

 

 

Para saber mais:


A origem árabe do aboio nordestino. História Islâmica (YouTube).

CENTRO SEBRAE DE REFERÊNCIA DO ARTESANATO BRASILERO. Mestre de ofício – Espedito Seleiro [Catálogo da exposição]

Fundação Casa Grande.

MENDES, Cícero. A HISTÓRIA DO ABOIO. Chico Justino & Cícero Mendes. 31.10.2010.

MOTA, Eduardo. Meu Coração Coroado: Mestre Espedito Seleiro. Fortaleza: Senac, 2016.

 

 

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