José Rodrigues de Araújo une tecnologia e consciência ambiental na criação artesanal de acessórios que reverenciam a Amazônia.
Vindo de família de seringueiros, desde menino, aos 10 anos, José Rodrigues de Araújo aprendeu com o pai o ofício da extração do látex, acompanhando suas incursões diárias pelas trilhas do Seringal São Francisco, em Xapuri, no Acre. Esse aprendizado, aliado à preocupação com o meio ambiente e à necessidade de prover o próprio sustento, décadas depois transformou a história do artesão. Atualmente morando em Epitaciolândia, o seringueiro é reconhecido internacionalmente como Doutor da Borracha, pela tradição que mantém como seringueiro e pela forma sustentável com que produz sapatos e acessórios com borracha natural da Amazônia.
Do saber ancestral à inovação sustentável, seringueiro constrói novos caminhos para quem vive do seringal
Em 2004, o artesão decidiu aprimorar seus conhecimentos para construir uma nova realidade para si mesmo e para a própria família. Foi então que o empreendedor participou de um curso na Universidade de Brasília – UNB, no qual conheceu a técnica da Folha Semi Artefato (FSA), uma iniciativa desenvolvida pelo Projeto Tecbor, no Laboratório de Tecnologia Química da UNB.
José Rodrigues também incluiu em seu processo produtivo a técnica da Folha de Defumação Líquida (FDL), parte integrante do projeto Tecnologias de Borracha para a Amazônia. Segundo o Doutor em Tecnologias químicas e biológicas da UNB, Floriano Pastore Júnior, o artesão, a partir da técnica, desenvolveu outro mecanismo com o qual é possível colar uma tira à outra sem descolar.
O docente destaca que o trabalho desempenhado pelo artista na Amazônia é de grande relevância para a preservação do bioma. “É importante dizer que o seringueiro da Amazônia é o guardião da floresta e merece maior respeito da população brasileira e do governo. Precisa de todo o apoio. Se houver incentivo, pode ser melhorada a produção, aumentar emprego e renda e aumentar a proteção da Amazônia”, completa o pesquisador em entrevista para o portal UNB Ciência.
Ao aliar as novas tecnologias com os saberes herdados de seu pai e avó na extração de látex das seringueiras, o artesão iniciou a produção, de forma artesanal, de vários produtos feitos com a matéria-prima, dentre eles bolsas, colares, sapatos, sandálias.
A partir daí, começou a participar de feiras, sendo uma delas a Pan Amazônica em Rio Branco no Horto Florestal, no Acre. Graças a um jornalista que, durante a cobertura do evento, o chamou de “doutor da borracha”, que o termo ficou conhecido e hoje é sua marca registrada.
Ritual artesanal transforma o látex em expressão autêntica da floresta
A produção artesanal do Doutor da Borracha começa antes do nascer do sol e segue um rigoroso ritual que une tradição, técnica e respeito à floresta. Cada etapa, da coleta do látex à criação das peças, é feita manualmente, com atenção aos detalhes no processo produtivo. O uso de insumos naturais, como o ácido pirolenhoso e a cola orgânica do próprio látex, reforça o compromisso com práticas sustentáveis e valoriza o saber ancestral da região amazônica.
Extração
A programação do artesão começa cedo. Às 4h da manhã, já está de pé para se dirigir ao seringal e cortar, aproximadamente, 45 seringueiras. Após alguns cortes ao longo da extensão da árvore, são extraídas quantidades de leite suficiente para produzir a borracha. Em seguida, João vai para casa e, passado duas horas, retorna ao seringal para retirar o leite colhido.
Coagulação
Dando sequência à produção, em uma bandeja, é misturada ao leite extraído uma substância, denominada ácido pirolenhoso, responsável por promover a coagulação do leite e evitar a contaminação por microrganismo. Desse processo, resulta uma espécie de manta que fica na parte inferior da bandeja.
Secagem
Para tornar essa manta mais fina e maleável, ela é passada em calandra, um cilindro manual, que ajuda a tornar a manta menos espessa. Em seguida, ela passa por um processo de secagem, em uma espécie de varal. Finalizando o processo, a manta recebe uma camada de agente vulcanizante, sendo liberada então para uso na confecção de produtos diversos.
O artesão destaca que, para dar cor às mantas, ainda no processo de produção, usa corantes, garantindo opções coloridas para suas peças. Segundo José Rodrigues, após todo esse processo, a manta já com uma espessura de, aproximadamente, 2 milímetros é cortada para então iniciar a montagem do calçado.
Design das peças
Para definir o formato de suas peças, o artista se inspira em elementos da natureza, em especial as seringueiras, a sequência de cortes na vegetação, a fauna amazônica e traços da cultura regional. Todos esses aspectos dão vida a sandálias, sapatos, brincos, colares, pulseiras entre outras peças.
Em entrevista para o portal de notícias G1, José Rodrigues destaca que “Os sapatos confeccionados são todos de borracha, não possuem costura e o solado também é de borracha. Para colar as partes de cima do sapato com a sola, uso a própria cola orgânica do látex”, explica o artesão.
Artesão traz histórias vivas da Amazônia, moldadas por mãos que respeitam a natureza e fortalecem os laços comunitários
Os calçados e acessórios em borracha natural produzidos pelo Dr da Borracha vão além de uma atividade individual, ela é uma prática comunitária que envolve não só a família, mas também vizinhos da região e contribuem para que o artesão perpetue a tradição extrativista e envolva toda a comunidade com iniciativas sustentáveis.
José Rodrigues conta com o apoio direto de sua esposa e de outros moradores de Epitaciolândia que desempenham funções específicas em diferentes etapas da produção. A coleta do látex, por exemplo, é realizada por seringueiros, que dominam a técnica da sangria, cortes precisos na casca da seringueira, permitindo a retirada da seiva sem comprometer a natureza.
“Aqui não entra maquinário, somente mãos, boa vontade e criatividade”, destaca o artesão em entrevista para a revista Pequenas Empresas Grandes Negócios.
Cada peça, seja um sapato, uma bolsa ou um acessório, é confeccionada de forma artesanal, com muita criatividade e riqueza de detalhes. A modelagem e o acabamento são feitos com ferramentas simples, tornando cada produto único.
Mensalmente, são confeccionadas de forma artesanal, aproximadamente 450 peças. No catálogo de produtos, há mais de 30 modelos em cores distintas e funcionam como estratégia para atrair mais clientes.
Parque ecológico materializa saberes do seringal e valoriza a arte da borracha natural
Com o objetivo de preservar e compartilhar a memória do extrativismo, José transformou sua casa e o entorno em um ponto de visitação que oferece uma verdadeira imersão na vida do seringal, o Parque Dr. da Borracha, localizado na Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) Seringal Nova Esperança em Epitaciolândia, no Acre.
O parque apresenta aos visitantes o processo de extração do látex diretamente da seringueira e os valores que sustentam o modo de vida dos seringueiros, assim como destaca a preocupação com o meio-ambiente, a importância do reflorestamento e de práticas sustentáveis. Segundo o canal Destino Acre, o espaço conta com réplicas em tamanho real das casas dos seringueiros, trilhas ecológicas com obstáculos naturais.
Além da experiência educativa, o espaço também oferece culinária regional sob encomenda. Ao final da visita, é possível adquirir peças artesanais como sapatos, bolsas e pulseiras feitas com borracha natural.
Em entrevista para o canal Saber Repan, ao falar sobre a origem do nome “Dr da Borracha”, o mestre artesão José Rodrigues ressalta que vem da sua vivência como seringueiro, por manter viva a tradição familiar e desde pequeno viver da Borracha.
A arte do Dr. da Borracha se destaca em feiras, redes sociais e eventos pelo Brasil e pelo mundo, revelando a força da cultura amazônica
O impacto de sua atuação como artesão e seringueiro abriu muitas portas para que José Rodrigues comercializasse seus produtos em exposições, parcerias, feiras de artesanato e pela internet. Em seu perfil no Instagram divulga e comercializa seus produtos, assim como usa o WhatsApp.
Em 2014, os sapatos produzidos pelo Dr. da Borracha fizeram parte do desfile da Expo Milão, na Itália. No mesmo período, desfilaram na Sapucaí na apresentação da escola de samba Vila Isabel, cujo tema foi o líder seringueiro Chico Mendes.
Dentre os prêmios recebidos pelo artesão estão o Prêmio Casa Museu (2012), concedido em São Paulo como reconhecimento ao seu trabalho artesanal com borracha; o Prêmio Chico Mendes de Florestania (2014), no qual foi agraciado com o troféu Castanha de Bronze por sua atuação sustentável e cultural na floresta; e o Prêmio Top 100 Sebrae de Artesanato, conquistado em duas edições: 2016 e 2022 por estar entre os cem melhores artesãos do Brasil, destacando-se pela excelência técnica, inovação e impacto socioambiental.
Além disso, em setembro de 2022, o município de Epitaciolândia, onde José atua, foi incluído na lista dos Top 100 Green Destinations, reconhecimento internacional que destaca os destinos turísticos mais sustentáveis do mundo. A história de vida e trabalho de José foram um dos responsáveis por essa conquista.
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FOTOS
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Fotos complementares
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Imagem da Internet: Extração de látex na Reserva Extrativista Chico Mendes. Floresta Ativista. Disponível em: https://florestaativista.org/por-dentro-da-floresta-casa-ninja-amazonia-avanca-em-jornada-no-interior-acreano/ Acesso em 06 ago.2025.
Imagem da Internet: Entrada no espaço Dr. da Borracha. Floresta Ativista. Disponível em: https://florestaativista.org/por-dentro-da-floresta-casa-ninja-amazonia-avanca-em-jornada-no-interior-acreano/ Acesso em 06 ago.2025.
Imagem da Internet: José Rodrigues fala sobre a defumaceira e da antiga técnica usada com a fornalha. Floresta Ativista. Disponível em: https://florestaativista.org/por-dentro-da-floresta-casa-ninja-amazonia-avanca-em-jornada-no-interior-acreano/ Acesso em 06 ago.2025.
Imagem da Internet: Loja com produtos de borracha no espaço Dr. da Borracha. Floresta Ativista. Disponível em: https://florestaativista.org/por-dentro-da-floresta-casa-ninja-amazonia-avanca-em-jornada-no-interior-acreano/ Acesso em 06 ago.2025.
Imagem da Internet: Sapatos de borracha no espaço Dr. da Borracha. Floresta Ativista. Disponível em: https://florestaativista.org/por-dentro-da-floresta-casa-ninja-amazonia-avanca-em-jornada-no-interior-acreano/ Acesso em 06 ago.2025.