Neste 8 de março vamos aplaudir todas as artesãs do nosso país, e destacar a história de três mestras negras que construíram legados e tradições em suas comunidades e hoje são referências brasileiras de arte a partir da reflexão sobre ser mulher e potência de força de trabalho.
É praticamente impossível pensar em artesanato brasileiro sem o imaginário da mulher.
Referência de destreza, afeto, criatividade e talento, são elas que desempenham um papel importante entre o lar e a comunidade.
As mulheres são responsáveis pela criação, cuidado e ensinamentos em diversas culturas e territórios. São as provedoras do ofício que perpassa o seio familiar, o que as tornam verdadeiras professoras da escola da vida.
Por vocação, dom ou determinação observamos as mulheres criando toda uma geração: mulheres que criam meninas, filhas, irmãs, artesãs e mestras.
E, apesar de serem maioria no mercado de trabalho, ainda observamos inúmeras barreiras sociais que insistem em limitar a força da mulher ao contexto da família, sem ao menos valorizar a versatilidade e potência que essa atribuição impacta em nossa sociedade.
A economia do cuidado dialoga muito com a realidade da mulher e em especial com aquelas que trabalham e zelam pela sua estrutura doméstica. Um cenário que atualmente vem sendo exposto e abrindo caminhos de empoderamento feminino.
Quando olhamos para as práticas produtivas de uma sociedade, além do lucro material concentrado, conseguimos enxergar aquela parcela da população que atua diariamente no desenvolvimento de cadeias produtivas, por vezes intangíveis pelas estatísticas, mas de valor inestimável para a cultura e formação social de um território.
É o caso do artesanato brasileiro e das mulheres que vivem dessa atividade. A notoriedade, e consequentemente a valorização do oficio de artesã, acompanha esse novo momento de reflexão sobre a mulher e a força de trabalho.
É através do artesanato que muitas mulheres descobrem o empoderamento feminino, desafiando estereótipos e estabelecendo um espaço seguro de inclusão onde suas vozes são ouvidas, e suas mãos tornam-se sinônimo de protagonismo nas suas próprias narrativas. Uma forma real de expressar sua criatividade e de preservar as heranças culturais de suas comunidades.
Foto: Beatriz Souza (Governo do Ceará)
Vamos conhecer um pouco mais sobre as potentes histórias de Irinéia, Ana e Izabel, mulheres, mães, provedoras dos seus lares, protagonistas de suas próprias histórias e referências de vida e de legado para o artesanato brasileiro
Dona Irinea (✨1949 -)
Muquém, União dos Palmares, Alagoas
Com forte ligação ancestral, seu trabalho mostra-se presente em peças feitas com o barro vermelho. Seu trabalho como ceramista começou ainda na infância, produzindo peças utilitárias com a sua mãe como forma de complementação da renda familiar.
Já na fase adulta, casada e mãe, dedicou-se a criar peças a partir das narrativas da memória e da realidade de sua comunidade quilombola.
São cabeças, figuras humanas, entre outras esculturas que dão vida ao barro através de histórias de lutas e conquistas vividas pelos moradores de sua comunidade no sítio de Muquém, na zona da mata alagoana, a única comunidade remanescente do quilombo de Palmares.
Conheça as peças de Dona Irinéia que fazem parte do Acervo CRAB
Dona Irinéia tornou-se símbolo de resistência a partir de sua arte e é continua recebendo inúmeras homenagens pelo reconhecimento de seu trabalho.
Ana das Carrancas (✨ 1923 – ✝️ 2008)
Petrolina, Pernambuco
Aprendeu desde cedo o ofício de esculpir o barro com sua mãe, que também era louceira. Aos sete anos, moldava seus próprios brinquedos e, mais tarde, peças utilitárias, como panelas e vasos, contribuindo assim para o sustento da família.
Ana casa, se separa e casa-se novamente. Seu segundo marido era deficiente visual e não conseguia ser o provedor de sua casa, tornando-a provedora do lar. Ela aventura-se, então, nas feiras de rua, vendendo suas carrancas com os olhos vazados em homenagem ao marido.
Não demorou até que sua arte ganhasse repercussão e ela se tornasse símbolo local de resiliência e talento.
Ana usou sua arte para se transformar e mudar a realidade de sua família. Ela se tornou peça fundamental nesse quebra-cabeça imenso de artesãos e artistas populares brasileiros que retratam nosso cotidiano, através dos olhos da alma e das habilidades ancestrais.
Veja as peças de Maria da Cruz, filha de Ana das Carrancas, pertencentes ao Acervo CRAB
Em 2023, foi comemorado o centenário da Ana das Carrancas, e o CRAB teve a honra de receber as suas duas filhas para uma conversa sobre a força do legado de Ana das Carrancas.
Ana costumava dizer que seu sangue era negro, mas sua alma era de barro.
Dona Izabel (✨1924 – ✝️2014)
Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais
Dona Izabel começou sua trajetória de ceramista na infância, criando pequenas peças de barro e auxiliando sua mãe, que já era louceira/paneleira conhecida no Vale do Jequitinhonha.
Já adulta, dona Izabel casa-se e, posteriormente, fica viúva com filhos pequenos para sustentar. Por força do destino torna-se a única provedora de sua família, trabalhando com o que mais sabia fazer: moldar o barro.
Demorou até que suas figuras femininas, que retratavam com tanto apresso o cotidiano da mulher em seu imaginário, conquistasse o merecido valor. Suas bonecas de noivas e amamentando traduzem um olhar sutil e delicado de suas mãos e entregam a sua conexão com universo familiar.
Dona Izabel viveu e morreu fazendo o que gostava, ensinando sobre a vida e sobre a arte no barro. E muitos que tiveram a honra de conviver com ela a descreveram como uma “força serena e filha dos sonhos da terra”.
Se encante com as bonecas de Zezinha, discípula de Dona Izabel, presentes no Acervo CRAB
Em 2024, é comemorado o centenário dessa grande mulher, mãe e artista. Os frutos de Dona Izabel reverberam além do Vale e suas histórias são dignas de inúmeras homenagens.
Neste Dia Internacional da Mulher escolhemos três mestras artesãs negras para provocar a inquietude sobre o papel da mulher em nossa sociedade e para reafirmar a nossa admiração pelas mulheres que ousam sonhar com as mãos. São três mulheres negras que são o reflexo de um Brasil das disparidades, onde ser mulher é lutar todos os dias por sua sobrevivência e a dos seus. São três mulheres negras, com trajetórias de lutas e com um potencial de resiliência que nos emociona. Três mulheres negras que simbolizam a riqueza e a diversidade de nossa arte popular!
Parabéns a todas as mulheres artesãs do Brasil! Reconhecemos o valor de seu trabalho e a sua contribuição para a preservação e valorização do artesanato como expressão do nosso povo.
Texto por Bruna Pelegrino