Mestre Aprígio: O Regionalismo Encantado dos Costumes e Festejos dos Sertanejos
Neste artigo vamos falar do primoroso trabalho do Mestre Aprígio e sua relação com a cultura sertaneja, a partir da confecção da indumentária símbolo dos vaqueiros, e que ganhou notoriedade com as apresentações de grandes artistas regionais como Luiz Gonzaga, Gonzaguinha e Dominguinhos.
Da Infância Curiosa a Mestre do Couro
Natural de Exú (PE), Mestre Aprígio (1941- 2020) ganhou notoriedade no Brasil no final de 1970, quando seu trabalho conquistou grandes cantores e compositores da cultura nordestina, como Luiz Gonzaga, Gonzaguinha e Dominguinhos.
Através do trabalho artesanal em couro, confeccionando chapéus, gibões e sandálias que representavam o vaqueiro do Sertão, Mestre Aprígio revelou em suas peças traços singulares da estética e costumes do Brasil sertanejo.
Antes de se consagrar como Mestre, José Aprígio Lopes passou a infância e adolescência longe da escola. Precisando trabalhar desde cedo ajudando a família na agricultura cuidando da terra e dos animais, deixando seu interesse pelo manuseio do couro em segundo plano.
Sua paixão pelas peças em couro surgiu a partir da observação do trabalho de um vizinho sapateiro que, por sorte, descartava os restos dos materiais num lixo próximo a sua casa. Com esse material descartado, ele criava e aprendia o ofício que mais tarde o tornaria um expoente criativo da cultura sertaneja.
Após a morte de seu pai, o jovem Aprígio, já com 19 anos, abandonou o trabalho com a terra e se mudou para Crato, no Ceará, onde trabalhou por três anos como aprendiz de um seleiro local. Lá, aperfeiçoou seu ofício, conquistando os vaqueiros e donos de fazendas da região. Acabou tornando-se uma referência na criação dos trajes típicos da região.
Uma encomenda valiosa iria dar novo impulso à carreira de Aprígio. Era do cantor e compositor Luiz Gonzaga, que se mostrou interessado na confecção de um conjunto exclusivo de perneira, chapéu e gibão.
O trabalho do artesão encantou o artista que, na época, já era consagrado como símbolo da cultura nordestina. Luiz Gonzaga passou a ser amigo e cliente fiel dos trabalhos de Aprígio, subindo ao palco inúmeras vezes com os trajes desenhados e confeccionados pelo mestre, inclusive na histórica apresentação para o Papa João Paulo II em 1980.
Pelo seu trabalho e criatividade no manuseio do couro, Mestre Aprígio foi eleito em 2019 Patrimônio Vivo de Pernambuco, fortalecendo a estética do vaqueiro e da cultura sertaneja do nordeste brasileiro.
Mestre Aprígio faleceu em 2020, em virtude de uma doença crônica. Deixou um rico legado de respeito e amor pela sua terra e que hoje é vivido pelas mãos de seus filhos e netos.
O Sertão do Vaqueiro pelas Mãos do Mestre Aprígio
Mestre Aprígio foi um artesão de talento inquestionável. Pelas suas mãos, o couro deixou de ser um elemento da cultura do sertão e conquistou a esfera nacional através das apresentações de artistas símbolos da cultura nordestina, utilizando trajes que representavam as histórias de luta, escassez e amor ao território.
Suas principais peças eram pensadas para atender uma necessidade real, a vida do vaqueiro, personagem singular na história da interiorização do Nordeste.
O Sertão foi explorado e aberto pelas boiadas, transformando o couro em matéria prima de suma importância para economia e cultura do Nordeste durante um longo período.
O caminho das boiadas revela a conquista do território através da bravura dos vaqueiros, transformando esse personagem em símbolo de um ofício que permanece vivo no imaginário do Sertão até hoje.
O vaqueiro é um personagem ímpar no processo de desbravamento do interior do Nordeste. Ele é o responsável pelo manejo e condução dos animais, e principalmente por enfrentar as terras ríspidas do Sertão, fazendo de seu ofício sinônimo de valentia.
Na atualidade, são poucos os remanescentes deste ofício no Sertão. Os que ainda se aventuram a viver desta profissão resistem por causa das memórias e tradições de seus familiares, que narram com orgulho a história de luta e desbravamento do território. Essas tradições são exaltadas nas celebrações da Missa do Vaqueiro, que ocorre sempre no mês de julho.
O Imaginário dos Festejos Juninos: Música que Envolve o Artesanato
A cultura do Nordeste ganha anualmente destaque nos festejos juninos, que se espalham pelo Brasil de forma e costumes diferentes, mas sempre com um elemento em comum: a música.
A identidade regional representada pela música revela um conjunto de particularidades dos estados que compõem o Nordeste. Paisagens, costumes, desafios, saudades e alegrias do povo são retratadas através do xote, xaxado, baião e forró, ritmos que abrilhantam as festas e danças de quadrilhas pelo Brasil.
Artistas como Luiz Gonzaga e Dominguinhos são lembrados carinhosamente em todos os festejos juninos, bem com as suas apresentações passadas, em que ambos subiam aos palcos vestindo roupas que exaltavam a realidade do povo nordestino.
Um bom exemplo é a canção “Asa Branca”, de 1947. Composta e interpretada por Luiz Gonzaga, e muito tocada nesse período, ela descreve com palavras fortes a seca, migração e saudade do Sertão.
“Quando olhei a terra ardendo, quão fogueira de São João. Eu perguntei a Deus do céu, uai! Por que tamanha judiação…” (trecho da canção “Asa Branca”).
Por vezes, a letra pode-se perder nos embalos da sanfona que nos guiam nas quadrilhas. Mas sua assertividade, enquanto referência da realidade do sertão, possui uma grande carga emocional que ultrapassa gerações pela sensibilidade e genialidade.
O Nordeste não é mais aquele das canções de Luiz Gonzaga. O cenário de seca e os fluxos migratórios se transformaram, reinventando ofícios, territórios e pessoas. No entanto, o exercício de aprendizado e apreciação dessas letras nos revelam um conjunto de talentos como artesãos, compositores e cantores que apresentam em sua arte o recorte de um Brasil diverso e multicultural.
O mestre Aprígio faz parte desse imaginário, cantado e exaltado por tantos cantores nordestinos que insistem em preservar sua origem e orgulho pela sua terra, apesar das mazelas e receios.
Quando nos deparamos com o ofício artesão permeando todo um contexto social e cultural, que começa numa história local sobre a importância e o uso do couro e acaba transbordando em canções e festas de dimensões nacionais, somos provocados a refletir sobre como estamos conectados nesse efervescente caldeirão cultural chamado Brasil.
Texto: Bruna Pelegrino.