Conheça as caretas de Cazumba do Mestre Abel que colorem o Bumba-meu-boi do Maranhão

Abel Teixeira, também conhecido como Mestre Abel, foi um importante brincante e artesão dos festejos do Bumba-meu -boi, do Maranhão. Deixou sua marca com a feitura artesanal das caretas do Cazumba, que foram adotadas por diferentes grupos. Falecido no ano de 2023, hoje vamos homenagear e contar sobre esse importante mestre artesão que deu cor às festas de São João do Maranhão.

Mestre Abel: Como nasce um mestre artesão do Bumba-meu-boi

Abel Teixeira nasceu em 19 de novembro de 1939, no interior do Maranhão, na baixada, em uma cidade chamada Viana. Desde jovem se encantava com a brincadeira do Boi. Típicas de todo Maranhão, os Bumba-meu-boi causam admiração pela mistura do profano com o sagrado, em encontro de seres místicos e coloridos. Abel começou a se aventurar na feitura das indumentárias, que fazia com paneiro de palmito de babaçu, panos velhos ou estopas. Ele sempre deixou claro que qualquer material servia, o mais importante mesmo era a brincadeira, que o Cazumba, personagem que assume, é feito para brincar.

“Nós somos os verdadeiros artistas de nós mesmos (…). As caretas de pau começaram porque lá onde nasci, a gente fazia porque achava bonito. A gente ouvia falar dos bois de outros sotaques, que tinham bichos, tinham onças. Eu fiz uma de madeira, com boca de cachorro. Meu amigo viu e no ano seguinte fez uma igual, para a gente competir e brincar melhor. Primeiro a gente fazia só a boca de madeira. Depois, passamos a fazer toda a careta. Mas brinco com a de pano.” (Lima; Lima, 2008, pg. 143).

Mestre Abel (Foto: Lima; Lima, 2008).

As estranhas caretas dos Cazumbas, artesanato que dá vida ao místico

Em 1978 Abel se muda para São Luís e se junta ao icônico Boi da Floresta de Mestre Apolônio e Nadir. Ao produzir artesanalmente suas caretas, se recusa em chamá-las de máscaras, fica conhecido por seu estilo único e colorido, espalhando para outros Bois a tendência de algumas caretas dos Cazumbas.

Este personagem é uma mistura de seres, solidificando o imaginário local em um brincante, trazendo a sobrenaturalidade da floresta, do pajé e a feição de desespero da cara de pai Francisco, em uma peça. Como diz mestre Abel “eu faço Cazumba pra brincar, pra mim não é bicho, não é gente, é Cazumba. Se quiser muita resposta perdemos a noção da coisa.” (Furtado, 2007, pg. 254).

Suas caretas podem ser de tecido ou em estrutura de madeira, esta segunda, normalmente usava como base espécies como parpaúba ou imburana, típicas da região. Sua grande inspiração eram animais do cotidiano, como cachorros, ou da mata, como onças. Mas também juntava imagens de raízes africanas maranhenses.

Depois de feita base de madeira, com bocas articuladas, colocava os chapéus de palha, pelos e cabelos, e, para finalizar, fazia acabamento com papéis coloridos, lantejoulas, miçangas, tecidos, bordados, fibras naturais. Nas caretas de tecido, que costumavam ser suas preferidas, reaproveitava materiais como plásticos duros para dar forma a orelhas e narizes e os enfeitava com diversos materiais coloridos e metálicos. Por dificuldade em adquirir alguns elementos naturais, como pelos de animais, os substituiu por pelúcias coloridas. Caretas cobertas de lantejoulas e com canutilhos de miçangas penduradas em seu nariz e barba, grandes orelhas e cabelos sintéticos davam o tom irreverente e característico de suas peças.

 

Careta de Cazumba feita pelo Mestre Abel, com estrutura de madeira (Lima; Lima, 2008).

Mestre Abel se dedicava a arte da produção manual das indumentárias, que fazia para seu grupo e para encomendas externas. Trabalhando por quatro horas diárias, as caretas levavam de 10 a 15 dias para ficarem prontas. Usava sempre enxó, tesouras, facas, tecido, linha e agulhas para dar forma e depois às adornava.

Teve suas caretas mostrada e valorizada em diferentes estados do Brasil e no exterior: “Por conta delas me levaram até a Europa. Mas o Cazumba é daqui mesmo.  Hoje, aqui na cidade, sinto saudade do ritual que a gente fazia antes. Hoje, os Bois são chamados para brincar em vários lugares num dia, e aí fica cansativo.”  (Lima; Lima, 2008, pg. 143).

O fazer manual é extremamente necessário na manutenção das tradições do Boi, trazendo as lendas e histórias para vida tátil. Sem o trabalho das indumentárias e dos objetos o mundo fantasioso não acontece. Uma tradição que ocupada grande parte da vida de quem está envolvido e constrói a imagética, cultura e estética da região, influenciando diretamente na vida das pessoas.

Careta de Cazumba feita pelo Mestre Abel, toda de tecido (Foto: Lima; Lima, 2008).

Entenda um pouco sobre o auto do Bumba-meu-boi, tradição do São João do Maranhão

O Bumba-meu-boi é uma manifestação cultural que acontece em diversos estados do Brasil, principalmente no Nordeste e Norte e foi eleito patrimônio cultural imaterial da humanidade pela Unesco, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Muito típico no Maranhão, é um auto que conta a história de um boi de estimação, o mais belo de um fazendeiro. Pai Francisco, escravizado da fazenda, recebe um pedido de sua esposa Mãe Catirina. Grávida, ela tem o desejo de comer a língua justamente do boi favorito do patrão. Chico não podendo negar o pedido mata o boi. Ao ser descoberto ele é preso e torturado. O fazendeiro só lhe concederia o perdão se seu boi voltasse à vida. É, então, que o Pajé (ou curandeiro) é acionado. Ele canta e dança até que o Boi ressuscita dando grande urro. O Pai Francisco é perdoado e todos festejam.

Cazumba em festa do Boi da Floresta (Foto: Influencia Filmes, 2024).

Existem diversas figuras e personagens que utilizam vestuários feitos artesanalmente, que são de extrema importância para as manifestações dos Bois. Sendo elementos indispensáveis para o festejo eles são feitos principalmente por bordadeiras, costureiras e outros artesãos, que os grupos contratam. A riqueza de detalhes também traz status para os grupos, assim mestres artesãos são reverenciados e desejados para trabalharem para os grupos.

As técnicas são bem variadas, apesar de alguns padrões e conhecimentos sejam repassados não existe manual ou rigidez, sendo passadas por mestres para seus grupos de aprendizes. Também há aqueles que começam a bordar por conta própria, para pagar promessas feitas a São João, mostrando a conexão religiosa com os festejos. Os principais materiais são veludo, couro, miçangas, canutilhos, paetês, pedrarias, penas artificiais e naturais, fitas coloridas, tecidos coloridos, palha, bambu, sementes, fibras naturais, entre outros. No nosso acervo do CRAB temos um Boi, algumas caretas e as torre” ou “igrejas”. O Boi é a figura principal e é confeccionado em uma estrutura de madeira, com tecido e miçangas. Dentro do Boi tem o miolo, onde fica o brincante que dá vida ao personagem.

Fonte:

LIMA, B.; LIMA, V. Em Nome do Autor: artistas artesãos do Brasil. [S. l.]: Proposta Editorial, 2008.

FURTADO, V. Arte nas Mãos: Mestres Artesãos Maranhenses. Maranhão: SEBRAE Maranhão, 2007.

 

Texto: Laura Landau.