Andrea Bandoni (Fonte: Domestika 2022)

O projeto Conversa Fiada, uma série de entrevistas com pessoas que trazem pontos de vistas inventivos sobre a relação com o fazer artesanal e sua rede. São artesãos inovadores, artistas visuais, designers, pesquisadores, criativos, professores e muitas outras pessoas que estão pensando sobre e fazendo artesanato, trazendo desafios, soluções e inovações para o setor.  

Laura Landau, especialista do CRAB entrevista nossa convidada: Andrea Bandoni 

 

Andréa é designer e educadora, mestre em design conceitual e arquiteta. Sua pesquisa se relaciona com observação, descrição e experimentação. Nos provoca com o pensamento de que o design sempre precisa acrescentar algo além do supérfluo nesse mundo que já é supersaturado de coisas que a gente nem consegue dar conta. Logo ir além do estético, deve ser um portador de histórias, materiais e imateriais. E assim, intrinsicamente, é o artesanato, que na sua essência, é um portador de histórias, conectando pessoas aos territórios e aos saberes acumulados por gerações.  

 

Trajetória do design ao biodesign, orientada pelo artesanato

Laura Landau: Bem-vinda Andrea, é um prazer te ter aqui nessa conversa. Me conta sobre sua trajetória até o biodesign?
 

Andrea Bandoni
Obrigada, o prazer é meu!
Então, o design foi a área que mais me encantou, acho que tem a ver com um jeito diferente de projetar, diferente da arquitetura. Porque, assim como no artesanato, estamos lidando com coisas que circulam, objetos que se movem pelo mundo, que não são estáticos. O que sempre me encantou no design foi essa possibilidade de pensar em coisas que eu pudesse tocar, levar comigo, guardar, olhar. Estabelecer uma relação mais direta com os objetos, acho que é aí que está o meu encanto com o design. Depois que entendi melhor o que era o design, também comecei a perceber o quanto ele podia ser problemático, principalmente em relação à poluição e ao incentivo ao consumismo que, no fundo, é uma das grandes causas da destruição do planeta. 

 

Comecei a me perguntar, gosto de criar, gosto de fazer, gosto de ter coisas, mas como fazer isso de um jeito que não destrua o planeta? No começo, minha busca estava muito relacionada à ideia de sustentabilidade. Mas, com o tempo, passei a questionar até esse termo, porque percebi que” sustentabilidade” muitas vezes está sustentando algo que, na verdade, já não é mais sustentável. Me veio essa inquietação: se esse não é o caminho, qual seria? Que outros caminhos podemos seguir, especialmente se ainda queremos fazer ou pensar o design? Foi aí que comecei a olhar para outras referências: objetos, práticas e relações mais equilibrados entre as pessoas e a natureza.  

 

E assim nasceu, há mais de 10 anos, o projeto “Objetos da Floresta”. Foi uma pesquisa em que percorri diferentes locais na Amazônia, observando objetos que ainda hoje, no século XXI, mantêm uma relação muito forte com a natureza. Fiquei profundamente impressionada com o que vi. Foi tudo registrado, documentado, mas, naquele momento, era apenas uma pesquisa. 

Demorei bastante para entender como me aprofundar nisso, por onde seguir. E, no fim das contas, acabei chegando numa vertente do design chamada biodesign. No momento, estou finalizando meu doutorado, que busca justamente pensar como esses objetos, especificamente a cuia, que foi o foco do meu estudo, se relacionam com o biodesign. Na verdade, é como se houvesse uma junção de mundos. De um lado, o design, que está sempre olhando para a inovação e para o futuro. Do outro, esses objetos que já são profundamente inovadores, potentes e incríveis justamente por estabelecerem uma relação harmônica com a natureza. Então, comecei a me perguntar: como essas coisas se conectam? Existe, de fato, uma ligação entre elas?
 

Objetos da Floresta 

 

Laura Landau  
É incrível essa sua trajetória. Queria entender melhor como foi esse processo do projeto “Objetos da Floresta” e da valorização do artesanato?  

Andrea Bandoni
Eu tinha acabado de fazer meu mestrado na Holanda, que foi uma experiência bem difícil, e quando voltei ao Brasil, queria começar uma prática mais independente. Eu estava muito envolvida com a questão da sustentabilidade e pensava bastante sobre quais objetos poderiam ser referências sustentáveis. Queria encontrar referências diferentes. Por acaso comecei a trabalhar para uma pessoa que tinha um projeto na Amazônia, e foi assim que fui, pela primeira vez, para Belém. No meu tempo livre, fui ao mercado Ver-o-Peso e me deparei com objetos, ingredientes, frutas e coisas da Amazônia que eu nunca tinha imaginado. Foi realmente impactante, uma experiência extraordinária. Nesse mercado, que é o maior da região, há uma pequena ala com lojinhas que vendem objetos artesanais. Uma, em especial, me marcou muito, um utensílio indígena usado para extrair o líquido da mandioca ralada, uma espécie de prensa trançada de palha, feita para torcer, puxar, extrair, o tipiti. Aquilo me impressionou demais. Eu pensei “Nossa, em cinco minutos aqui, já vi tanta coisa incrível. Se eu conseguir fazer um projeto de verdade, imagina o quanto mais posso encontrar!”.  Foi isso que me motivou a tentar criar um projeto independente. Foi aí que eu propus os “Objetos da Floresta”. Como designer, claro, eu tinha muita vontade de trabalhar com aquilo, de me envolver com os materiais.  

 

Objeto exposto no projeto “Objetos da Floresta” (Fonte: Andrea Bandoni)

 

Mas, depois do projeto publicado, acabei ficando com um certo bloqueio, percebi que existe um contexto muito complexo por trás, a realidade dos artesãos, as histórias envolvidas, fiquei receosa de me apropriar de algo sem o devido cuidado. Fiz algumas tentativas, mas fui entendendo que não era algo simples. Agora, com o doutorado, acredito que finalmente consegui encontrar uma abordagem mais respeitosa, que permita uma troca mais justa entre os lados. 

 

Laura Landau  
Uma forma mais respeitosa, acho que essa é mesmo uma preocupação muito grande, especialmente de quem trabalha com objetos artesanais, objetos tradicionais, e com pessoas que estão envolvidas com isso há tanto tempo. E eu acho que esse olhar mais atento para esse tipo de relação está começando a acontecer. Estamos num momento de mudança, mas as pessoas ainda estão aprendendo muito sobre como fazer isso sem agir de forma colonizadora. 

 

Andrea Bandoni 
E impositiva, né? Tem um ponto aí, inclusive conversei com um especialista que falou exatamente isso, ele não tinha uma boa experiência com o trabalho de alguns designers, porque já viu casos que terminaram em processos judiciais. Então, é uma questão muito delicada. Não sei o quanto o designer é bem ou malvisto, mas percebo que existe uma delicadeza nessa questão. Também acho que a gente não é muito treinado para lidar com isso. 

 

 

Laura Landau  
Quando você voltou do projeto “Objetos da Floresta, você chegou a tentar criar objetos a partir dessa experiência. Um deles me chamou muito a atenção que foi a luminária da seringueira. Eu acho muito interessante essa dinâmica de extrair, de uma única planta, diferentes materiais, ou diferentes processos, para compor um único objeto. Conta um pouco mais sobre isso? 

Andrea Bandoni
Esse trabalho foi realmente uma sorte. Eu já tinha feito a pesquisa dos “Objetos da Floresta”, e lá havia um material que acabou não entrando no projeto: o látex. Na época, até cheguei a visitar um lugar onde acontecia a extração, mas acabei não incluindo, porque não encontrei um objeto específico feito com ele que me parecesse adequado. Hoje vejo que foi um erro, eu poderia ter incluído vários objetos, o látex merecia muito estar lá. Mas enfim, foi uma escolha, uma curadoria.  

O látex acabou ficando ali no fundo da minha cabeça. E, por acaso, uma designer organizou uma exposição convidando vários outros designers. Ela tinha contato com uma empresa que produzia borracha e que também gerava muita sobra de madeira da seringueira. Por conta da minha vivência com o “Objetos da Floresta”, eu acabei me interessando foi pelo látex. Queria entender como ele poderia se manifestar ali, naquele contexto. E é curioso, porque madeira e látex são materiais quase opostos, a madeira é rígida, tem uma geometria mais definida, enquanto o látex oferece uma flexibilidade e possibilidades muito diferentes. Foi aí que surgiu a proposta de juntar os dois materiais.  

 

Luminária Seringueira, feita de látex e madeira de seringueira (Fonte: Andrea Bandoni)

Mas eu estava realmente tentando entender a qualidade do látex, porque ele não é fácil de trabalhar. Ele envelhece, e quando envelhece, racha, quebra, tem essas limitações. Então pensei, como criar uma peça que possa, talvez, ser reposta? Ou como trabalhar a natureza temporária dele de forma consciente? Comecei a experimentar com a ideia de uma luminária, mais especificamente com a cúpula. E percebi que dava para explorar várias coisas: sombras, sobreposição de camadas, espessuras diferentes do látex, e até a questão da cor. O processo foi muito guiado pelo próprio material, que foi me mostrando caminhos. E é fascinante pensar que, em uma única árvore, você tem esses dois materiais tão diferentes, coexistindo. O que me faz pensar: quantas outras árvores, na Amazônia e em outras partes do Brasil, possuem essas propriedades incríveis? Materiais naturais diversos, com potencial enorme, tanto no uso tradicional quanto no design. 

Laura Landau  
A gente acabou de finalizar uma parte de um projeto que é o mapeamento cultural do artesanato brasileiro. O projeto se chama Mosaico Amazônia Legal: Mapeamento Cultural do Artesanato Brasileiro. E a gente percebeu a potencialidade do buriti. Ele é incrível! Dá para extrair da folha uma parte mais rígida, que pode ser usada para fazer móveis ou instrumentos musicais e da folha se extra a fibra para trançados, cordas, bordados. 

 

Andrea Bandoni  

É exatamente isso. Eu lembro de uma das caminhadas que fiz, com um guia que falava o nome das árvores, dizia “Aqui tem um mogno, aqui tem um jatobá” e assim por diante. Ele ia falando, e eram aqueles nomes que eu só conhecia de um catálogo, que talvez fosse até mesmo meio abstrato, meio “de imitação”. Às vezes, você nem sabe direito daquela árvore. Mas quando você vê aquilo na natureza, entende qual é o significado daquela madeira que veio daquela árvore que está ali, naquele lugar. Acho que aquilo provoca muito, é muito diferente de estar dentro de uma sala de design. E essa vivência, quem realmente tem são as pessoas que moram lá, que trabalham diretamente com esses materiais, que retiram, que extraem esses recursos. Então, a vivência delas é muito diferente da nossa. 

 

Cuia Colab, artesanato e design unidos pela pesquisa
 

Laura Landau    

Eu queria entender também esse projeto que você fez, o Cuia Colab? Eu achei muito legal essa ideia de moldar as cuias.  

Andrea Bandoni
Tem duas coisas que mudaram muito na minha percepção. A primeira é em relação não só à técnica e o artesanato das cuias, mas o saber mesmo, o olhar das artesãs. Eu já vou te explicar melhor o que penso sobre isso.
 

E a segunda coisa é a minha percepção sobre a árvore cuieira, de onde vêm as cuias. A gente falou do Buriti e de tantas outras plantas. Eu acho que essas plantas são uma chave muito importante para quem quer trabalhar com esses materiais. Essas plantas estão aí há muito tempo, provavelmente muito antes dos seres humanos. Elas têm a própria vida, o próprio tempo. Então, existe toda uma ética envolvida quando a gente diz “Ah, vou fazer um trabalho com essa árvore”. Na verdade, não é bem assim. Para um designer entender isso, acho que é bem difícil. A gente vem de uma formação muito industrial, acostumada a pensar “se eu fizer isso, vai sair aquilo”, seguindo uma lógica linear. Só que, nesse caso, as lógicas não são essas. Por isso, trabalhar com uma planta foi um grande desafio para mim.  

 

Laura Landau
E como foi essa pesquisa com um material vivo?
 

Andrea Bandoni
No projeto Cuia Colab, uma das propostas era moldar as cuias. Eu já tinha uma certa intuição de que isso poderia ser possível. Vi alguns projetos moldes feitos em cabaças, como os copos de chimarrão, por exemplo, que são feitas assim. Mas com a cuia, especificamente, eu nunca tinha visto nada parecido. Fazendo uma pesquisa histórica, descobri uma cuia do século XVIII com uma descrição interessante. Não usaram a palavra “molde”, exatamente, mas diziam que ela havia sido feita com cordões, tabuinhas, ou seja, percebi que aquilo era, sim, um tipo de molde que havia modificado a forma da cuia. E foi por aí que a experimentação começou. 

 

Cuias moldadas no projeto Cuia Colab (Fonte: Andrea Bandoni)

Achei muito interessante fazer esse paralelo com o que vejo hoje acontecendo no design contemporâneo, com designers moldando o micélio, a parte do cogumelo, entre outros materiais. Mas, quando tentei trabalhar diretamente com a árvore, surgiram muitas questões. Um dos primeiros grandes desafios foi entender o tempo necessário para o processo. A gente fez um experimento, deixamos a cuia moldar ainda na árvore. Ficou linda! Só que, depois que colhemos o fruto, em um ou dois dias ele murchou completamente. Será que isso não era uma cuia de verdade? O que foi que eu fiz de errado? Foi aí que me dei conta, provavelmente existe um tempo certo para isso, um tempo de maturação, de endurecimento. E eu ainda não sabia qual era esse tempo. Eu já estava com uma visita marcada a uma comunidade de artesãs, que, na verdade, era bem distante, mais próxima de Santarém. Fui até lá já com essa questão na cabeça.  

 

Cuia moldada na árvore (Fonte: Andrea Bandoni)

Mas, ao chegar lá, apesar de ter essa pergunta, meu interesse maior foi realmente conhecer o processo. Observei muito o trabalho das artesãs. Elas foram muito solícitas e me mostraram todos os detalhes da técnica. Percebi que além de ser uma técnica com grande importância cultural, um verdadeiro patrimônio, inclusive já registrado como patrimônio imaterial, eu vi que ela também era muito ecológica. Nada era desperdiçado, nada do que elas usavam era agressivo ao meio ambiente. Era tudo muito conectado à árvore, ao ciclo natural das coisas. 

Então eu perguntei para elas “quanto tempo demora pra colher a cuia?” Uma delas respondeu “Ah, acho que um mês.” Outra disse: “Acho que dois meses, talvez mais.” E comecei a perceber, não existe um tempo fixo. A resposta não era exata. Por um momento, pensei que talvez eu estivesse fazendo a pergunta do jeito errado. Mas, depois de observar mais de perto, percebi que a pergunta em si não fazia tanto sentido dentro daquele contexto. O tempo delas era outro. O tempo da cuia também. 

 

Artesã colhendo a cuia da cuieira (Fonte: Andrea Bandoni)

Elas simplesmente sabem colher. Quis, então, entender como que elas sabem que a cuia está boa para colher. Elas têm técnicas maravilhosas. Nenhuma delas é nada do que algum designer sonharia.  

“Você tem que ouvir a cuia”. Ela bateu com o facão e ouviu o som saiu. É algo sensorial, é outro tipo de conhecimento. A outra técnica era apertar com a unha, se ela ceder, é porque ainda está verde. 

A artesã me explicou como tratava a árvore, como cuidava do fruto, e isso foi muito importante. Se eu não entendesse, se ela não tivesse disponibilidade para me contar tudo isso, eu não saberia trabalhar com essa árvore. Eu não conseguiria ter moldado, nem esperado o tempo certo para colher o fruto. 

Por isso eu achei tão importante essa intersecção com as artesãs. É por causa desse conhecimento tão antigo, que passa de mãe para a filha. É muito mais sobre a vivência das artesãs. E o quanto de conhecimento é necessário para o designer, para que ele possa trabalhar de outra forma, ser mais ecológico e, enfim, conseguir realmente progredir. 

Laura Landau 
E você considera a Cuia Colab como uma tecnologia social? 

Andrea Bandoni
Ele é sim, mas, para mim, é bem delicado, sabe? Porque eu vejo que esse projeto entra em vários assuntos. Não foram exatamente esses temas o meu ponto de partida, mas eles estão todos entrelaçados. Por exemplo, eu comecei com uma pesquisa sobre o biodesign. Eu queria entender que relações existem? Por exemplo, a técnica usada é totalmente feminina, são todas mulheres envolvidas. Então entra também a questão das mulheres. E quando você fala de uma população ribeirinha a gente percebe que é um grupo completamente marginalizado dentro do campo do design. Muitas vezes, a gente nem sabe direito o que é ser ribeirinho. Então, que tipo de conhecimento é esse? O que é que importa? Acho que o trabalho me fez enxergar que estou lidando com várias fronteiras.  

Uma delas, por exemplo, é a questão da necessidade de vender. Essas mulheres precisam vender, é o sustento delas. No início, eu não estava focada nisso. Sabia que podia surgir como um aspecto do trabalho, mas não era o centro. Só que chegou um momento em que eu percebi que queria que as artesãs participassem de forma mais ativa. Cheguei a chamá-las para participar da moldagem das cuias, mas elas me disseram que não se interessavam. Elas já têm muito trabalho, são poucas, e aprender uma nova técnica exigiria um tempo que elas não têm. Eu entendi e consegui fazer os experimentos em outro lugar.  

Surgiu a possibilidade de fazer uma exposição com as peças que estavam sendo moldadas. Isso poderia ser interessante, porque elas participariam de uma outra forma, sem precisar mudar o que já fazem. Poderiam apresentar as peças delas mesmas, com seus saberes. Fui perguntar para elas se achavam interessante. E aí, de fato, teve uma outra resposta, um interesse maior. Perguntei: “O que é uma exposição para vocês? Já foram a alguma? Como vocês entendem isso?” Perguntei individualmente, e o que ficou claro é que, para elas, exposição é oportunidade de venda. Esse é o sentido mais concreto. É o que elas conhecem, expor para vender. E aquilo me fez pensar. Porque não era o que eu tinha imaginado. Eu estava num contexto muito acadêmico, nada comercial. Estava fazendo experimentos, querendo colocar essas peças em diálogo com o design, com a técnica. E aí elas vinham com essa perspectiva prática de venda. Como conciliar tudo isso? Mas eu queria fazer uma exposição com a presença delas. Eu precisava respeitar o que elas pensavam, o que elas achavam importante. Também precisava considerar os conceitos e valores delas. Em alguns momentos, por exemplo, elas diziam “Ah, eu não gostaria que mostrasse isso”. 

E eu percebi que fazia todo sentido, porque o conhecimento é delas. Trabalhei bastante para encontrar uma forma de representá-las da maneira mais próxima possível do que elas gostariam, sempre com consentimento. Eu perguntava “Isso está bom para você? Posso mostrar assim?” Como a exposição foi em Lisboa, dentro da minha faculdade, que era o espaço que eu tinha disponível, infelizmente não pude trazê-las fisicamente. Então, uma das soluções foi fazer um vídeo sobre elas, e expor peças que elas próprias escolheram mandar. Pedi que produzissem peças especialmente para enviar, essas peças ficaram expostas fisicamente na galeria e, ao mesmo tempo, estavam disponíveis numa plataforma online, onde as pessoas podiam reservá-las. Foi a maneira que encontrei de juntar esses dois mundos, o delas e o da exposição acadêmica e acho que deu certo. Elas tiveram um lucro significativo, então para elas valeu a pena e para mim, também foi muito importante, o que ficou foi o aprendizado de como respeitar, como costurar, como fazer acordos reais, em que os dois lados saiam contemplados.  

 

 

Cuia seca moldada (Fonte: Andrea Bandoni)

Como se estabelecer financeiramente como criativo 

Laura Landau  
Você tem uma trajetória que tem um certo rumo, com um sentido que se mantém ao longo do tempo. Como é que foi isso? Às vezes isso também é uma questão para o artesão, ou até mesmo para o designer, como construir esse caminho.  

Andrea Bandoni
Eu não acho que seja fácil. Acho que tem muita vontade envolvida. Vontade de fazer, curiosidade também. Acho que é muito movido pela curiosidade, por essa vontade de aprender, de experimentar. E aí vem a busca, quais são os meios para eu fazer as coisas acontecerem. Acho que essa é uma grande questão para os designers: como é que eu faço as coisas acontecerem? Como é que eu vou financiar o que quero fazer? Eu também pergunto muito isso para as pessoas: como conseguiu realizar aquilo? Que caminhos seguiu?  

Para mim, tiveram dois caminhos que foram muito importantes. Um deles foi esse desejo constante de entender melhor as coisas. Eu questionava muito, queria buscar mais profundamente, e isso tem muito a ver com o perfil de pesquisador. Então, fui encontrando na carreira acadêmica um caminho possível. Se você tem o perfil de investigação, de querer se aprofundar, existe essa possibilidade de seguir por uma via mais acadêmica. Durante o mestrado, percebi uma coisa interessante, mesmo sendo um ambiente acadêmico, era bem prático. Muitas pessoas estavam ali buscando subsídios e aplicando para editais, algo que antes eu via como muito distante. E aí você vai aprendendo, não é fácil, definitivamente não é simples aplicar para editais, mas você aprende a dinâmica. Tem que entender como funciona, fazer várias vezes, lidar com rejeições também. Muita gente olha e diz “Ah, conseguiu”, mas não vê quantas vezes a gente não conseguiu, quantas tentativas não deram certo. Tem que mandar, tem que insistir, ser persistente. Consegui, por exemplo, projetos relacionados ao “Objetos da Floresta”, depois uma exposição, um workshop, enfim, as coisas aconteceram. 

O outro caminho importante foi que, como eu tinha esse interesse acadêmico, por muito tempo, mesmo sem um projeto fixo ou um edital aprovado, eu conseguia me manter dando aulas em universidades, aqui ou ali. E isso dava um respiro, sabe? Porque senão você fica totalmente dependente de um edital, e se ele não sai, como é que paga o aluguel? Então, ter a docência como apoio foi uma forma de equilibrar as coisas. Acho que sempre busquei isso, formas de equilibrar e continuar seguindo. Fui tentando, explorando, e encontrando maneiras de fazer acontecer. Depois, teve um momento em que eu decidi realmente me dedicar mais à área da educação. E, algum tempo depois, quando resolvi fazer o doutorado, meu objetivo era conseguir uma bolsa, porque aí eu conseguiria me dedicar integralmente e fazer um trabalho bem-feito. E foi isso que busquei, esse momento em que eu pudesse ter o subsídio e a possibilidade real de realizar o projeto como eu imaginava.  

 

Quando comecei o doutorado, ainda não tinha bolsa. Eu estava procurando possibilidades e, nesse processo, descobri o programa Inova Amazônia, do Sebrae. Na época, eu estava entrevistando bio-designers e começando a entender como eles trabalhavam. Muitos deles me contavam que criaram startups para conseguir desenvolver seus produtos, me diziam: “no começo, eu não tinha nada, nem ideia formada!” Aquilo me marcou, entendi que dava para começar mesmo sem tudo definido. Participei do Inova Amazônia, na edição do Pará. O programa estava aceitando propostas na área de eco design, e a minha foi a única empresa dentro dessa categoria. Foi uma experiência incrível, foi por meio disso que consegui me estabelecer e começar, porque, realmente, desenvolver esse tipo de projeto exige investimento, tem custo, principalmente quando envolve deslocamentos e visitas. Dado esse aporte inicial que as coisas realmente começaram. Quando você dá início a uma startup, ela passa a ter um nome, aparece no mapa. Ganha um pouco mais de credibilidade. Mesmo que não tivesse nada ainda.

Laura Landau
Ótimas dicas que também se aplicam ao universo do artesanato! Andrea, mais uma vez, muito obrigada pela sua participação, foi uma conversa impactante! 

 

Conheça mais do projeto nos links:
https://www.instagram.com/biodesignamazonia/  
https://objetosdafloresta.com/ 

https://andreabandoni.com/