O valor do artesanato brasileiro: saúde mental, bem-estar e pertencimento

O valor do artesanato brasileiro é inegável; ele é uma das expressões mais legítimas da alma nacional. Porém, muito além de suas funções estéticas e econômicas, pelas quais ele é mais conhecido, o fazer manual é considerado como uma poderosa ferramenta de promoção da saúde mental, bem-estar e qualidade de vida. Esse reconhecimento não é apenas cultural, mas respaldado por evidências científicas que atestam como as práticas artesanais reduzem o estresse, favorecem a autoestima e fortalecem vínculos sociais essenciais para o equilíbrio psíquico.
Estudos recentes demonstram que envolver-se em atividades criativas como o artesanato promove benefícios significativos para a saúde mental, comparáveis aos efeitos positivos de ter um emprego. Uma pesquisa conduzida pela Anglia Ruskin University, no Reino Unido, com mais de sete mil participantes, revelou que pessoas que realizam atividades manuais ou artísticas apresentam níveis mais elevados de bem-estar subjetivo, incluindo satisfação com a vida, felicidade e sentido de propósito, do que aquelas que não se envolvem nessas práticas, superando inclusive os índices daqueles com vínculos formais de trabalho (KEYES et al., 2024). O valor do artesanato brasileiro, nesse contexto, se torna ainda mais relevante: ele oferece propósito, expressão pessoal e sentimento de conquista, pilares fundamentais para a saúde psíquica em tempos de aceleração, instabilidade e sobrecarga emocional.
O fazer manual como antídoto ao estresse

Pesquisas anteriores já haviam apontado a relação entre atividades artesanais e a redução do cortisol, hormônio relacionado ao estresse. Envolver-se com o artesanato, além de acessível e econômico, é uma prática profundamente envolvente e criativa. Helen Keyes, psicóloga cognitiva e chefe da escola de Psicologia e Ciência do Esporte da Universidade Anglia Ruskin, afirma: “Envolver-se com artesanato é uma das formas mais simples e eficazes de cuidar da saúde mental” Essa percepção não é isolada. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece, desde 2019, as atividades artísticas como fundamentais para a promoção da saúde e a prevenção de doenças. O valor do artesanato brasileiro, nesse contexto, destaca-se por sua capacidade de integrar técnica, estética e vivência subjetiva, funcionando como um espaço terapêutico, de acolhimento e de fortalecimento pessoal.
Grupos de artesanato: espaços de cura e pertencimento

Além dos benefícios individuais, o valor do artesanato brasileiro potencializa a saúde mental por meio de sua dimensão coletiva. Um estudo realizado em Maringá (PR) demonstrou como grupos de artesanato em unidades básicas de saúde promovem a melhora significativa da qualidade de vida de mulheres em sofrimento emocional. Participar desses espaços significa mais do que aprender uma técnica: é encontrar um território de fala, escuta e partilha.
As mulheres entrevistadas relataram que o grupo contribui para aliviar sintomas depressivos, reduzir a ansiedade e fortalecer sua autoestima. No relato de uma das participantes: “Eu acho que todo mundo tinha que ir lá, faz tão bem… ajuda muito a cabeça, ajuda em tudo.” O estudo identificou três grandes benefícios proporcionados pelo grupo: a promoção direta da saúde mental, o estímulo à socialização e o desenvolvimento de habilidades criativas, que se traduzem em sentimento de competência e pertencimento.
Artesanato como ferramenta de reabilitação e prevenção

O valor do artesanato brasileiro também vem sendo reconhecido como uma ferramenta essencial em processos de reabilitação e prevenção em saúde mental. O projeto de Linha Terapia, realizado no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD) do Itapoã, Distrito Federal, exemplifica essa dimensão. Pacientes envolvidos na confecção de mandalas, cachecóis e trabalhos em crochê relatam melhora na autoestima, diminuição do uso de substâncias e maior reintegração social.
O caso de Marcos Roberto Rocha da Silva é emblemático: após anos em situação de vulnerabilidade e depressão, ele encontrou no artesanato um caminho de superação e estabilidade emocional. Hoje, abstêmio há cinco anos, Marcos auxilia novos participantes nas oficinas, transformando sua experiência em inspiração e cuidado coletivo.
O valor do artesanato brasileiro se estrutura primordialmente na convivência. Tradicionalmente transmitido a partir dos familiares mais velhos para os mais novos, esse saber se enraíza em vínculos familiares e comunitários. Segundo a Pesquisa de Informações Básicas Municipais – Perfil dos Municípios Brasileiros (MUNIC 2015), realizada pelo IBGE, cerca de 87% dos artesãos aprendem seu ofício em casa, com familiares ou membros da comunidade, reforçando o caráter doméstico e afetivo desse saber tradicional. Trata-se de um elo geracional que sustenta a memória cultural dos territórios, preservando identidades locais e modos de vida singulares.
Manualidades e o bem viver: um convite à desaceleração

Na sociedade contemporânea, marcada pela hiper conexão virtual e pelo excesso de estímulos, o artesanato se impõe como uma prática contracultural, que convida ao foco, à presença e à desaceleração. O psicólogo Frank Clark, da Prisma Health, afirma: “Todas as formas de arte podem ser benéficas para melhorar a saúde mental. Os benefícios incluem aumento da autoestima, redução da ansiedade e do estresse, melhoria da comunicação e estímulo à criatividade”
No artesanato, esse movimento é potencializado pela materialidade: o toque nas fibras, o manejo das ferramentas e a concentração nos detalhes promovem estados meditativos que favorecem o equilíbrio emocional.
Saúde mental como eixo central do valor do artesanato brasileiro

Mais do que um bem cultural ou econômico, o artesanato brasileiro deve ser compreendido como um bem terapêutico e estratégico para a saúde pública. Sua valorização passa não apenas pela preservação dos saberes ancestrais e pela sustentabilidade, mas também pelo reconhecimento de seu papel como instrumento de promoção do bem-estar e da saúde mental. Nesse contexto, programas públicos, políticas culturais e iniciativas de economia criativa precisam considerar, cada vez mais, essa dimensão subjetiva do fazer manual. Incorporar o artesanato como estratégia de cuidado preventivo e promoção de saúde é investir em comunidades mais saudáveis, resilientes e conectadas.
O valor do artesanato brasileiro é multifacetado: econômico, simbólico, social e ambiental. Ele não é apenas um bem cultural, é um bem estratégico. Dados robustos comprovam sua importância para o PIB, mas são as histórias de vida que lhe dão sua verdadeira força: pessoas que superam a violência e o medo, comunidades que constroem autonomia, territórios que preservam sua voz. Logo, o artesanato deve ser tratado como política pública de desenvolvimento integral e investir nesse setor é investir em um Brasil mais justo, plural e sustentável. É reconhecer nas mãos de milhões de artesãos e artesãs não apenas habilidade, mas saúde, sabedoria, resistência e futuro.
Referências Bibliográficas
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