A trajetória do artesanato tem nos revelado uma força criativa atávica que atua especialmente sobre alguns poucos seres humanos. Eles são os chamados mestres e surgem nos mais diferentes lugares.  O fenômeno é raro, constante, e tem ocorrido em toda a nossa história. A originalidade da obra de mestre João Carlos da Silva possui uma história semelhante à de outros artistas artesãos que formam a riqueza da nossa cultura.

João nasceu em 1958 com a marca desse saber e com ela se tornou Mestre João das Alagoas. Desde pequeno o menino demonstrava o seu talento na escola por meio dos desenhos e miniaturas em barro. O olhar atento do menino João entendeu a mensagem da arte de Mestre Vitalino e foi sob essa forte referência que ele desenvolveu o seu próprio estilo.

As dificuldades vividas na infância em sua pequena cidade Capela, no interior do estado do nordeste brasileiro que hoje carrega no seu nome, foram sendo superadas pela força de seu talento autoral e por sua capacidade de se aprimorar sempre. O mestre ceramista João foi aprendendo com o seu próprio processo de criação. E assim conquistou o seu lugar de destaque no restrito mercado da arte. Em 2011, mestre João de Alagoas ganhou o título de Patrimônio Vivo de Alagoas.

Os processos artesanais

Desde muito cedo, a qualidade do barro e sua queima lhe interessou de maneira particular. Hoje, artista experiente e consagrado, continua sua pesquisa sobre a magia do barro e de sua relação com o fogo. Para fazer uma peça primeiro ele colhe o barro no barreiro o prepara amassando com água e os pés para então peneirar e tirar as impurezas. Com o barro preparado é quando a modelagem começa dando vida aos seres de sua imaginação. Ele utiliza algumas ferramentas para dar forma ao barro, mas a sua preferida é uma faquinha simples de cozinha. Após a modelagem é o momento da pintura com barros de outra cor. As peças são secas à sombra e levadas para o forno à lenha para conseguirem a rigidez final da cerâmica.

Os símbolos e estética de João e o Boi.

A figura mais característica de seu trabalho é o Bumba Meu Boi, do folclore brasileiro. A partir dessa matriz, João desenvolve as mais ricas interpretações. Em torno do boi ele cria personagens da vida, das festas e do folclore alagoano.

Mas o que me inspira é o meu povo. Sempre foi o meu Estado, a vida das pessoas daqui e tudo o que elas fazem. O trabalho e a dança. Eu me inspiro muito no pessoal do interior, no cortador de cana, que trabalha a semana toda e no final de semana vai dançar o guerreiro, brincar de coco. É por aí. Vou tirando esses detalhes e fazendo arte. Alagoas é tanta coisa, muitos estados são, mas aqui é onde eu vivo. Eu vejo as praias, vejo os trabalhadores, que trabalham e dançam, e isso me inspira demais (HONORATO,Maylson, 2023),

Em sua obra, o boi carrega outras festas como São João, forró e acontecimentos sociais como casamentos.  O seu trabalho é portador e intérprete da vida alagoana. Há esculturas em que suas personagens quase se desprendem da estrutura-boi; em outras estão profundamente ligadas ao fundo, com o efeito cromático dos tons da argila.

João das Alagoas e a arte de contar histórias por meio do barro, Gazetaweb. 2023 (Foto: Ailton Cruz, Gazetaweb, 2023)

Nesta outra obra, as personagens se projetam, parecendo ganhar vida própria e sair dançando para fora da superfície. O domínio das diferentes técnicas de representação destaca a maestria de seu talento.

João das Alagoas, Boi (Foto: Galeria Pontes, 2011)

Em seu trabalho cada personagem tem um lugar preciso. A relação entre espaço e figura é mais do que um encaixe estudado: é de pertencimento. Os personagens vêm da memória, da história, mas também da imaginação. Mais que uma linguagem figurativa, descritiva ou simbólica, João das Alagoas desenvolveu a própria linguagem.

João das Alagoas, Cavalo Marinho, (Foto: Galeria Tina Zappoli, 2011)

A escola cerâmica de João das Alagoas – o mestre que faz mestres

Não falta a João das Alagoas a grande característica dos mestres: a de fazer discípulos. E discípulo no trabalho artesanal é muito mais que um repetidor, é alguém que aprende com a sabedoria e técnica do Mestre, mas também é estimulado a desenvolver a sua própria linguagem, livremente. Ensinando a outros moradores da sua comunidade João transformou a sua Capela num celeiro de grandes ceramistas. Lá ele mantém um ateliê onde ensina a cerâmica artística, multiplicando talentos e oportunidades.

Peça da ceramista SIl, A comedora de jaca embaixo da jaqueira. (Foto: A casa amarela leilões, 2022).
Peça do artista Leonilson Acandio. (Foto: Marco 500, Abceram.org.br 2020)

Leonilson Arcanjos foi um de seus alunos. Hoje, suas criações ampliaram o repertório da arte religiosa e o seu trabalho faz parte do seleto grupo da nova geração de ceramistas do artesanato autoral brasileiro.

Fruto deste trabalho de ensinar do mestre João, também se encontra a ceramista Sil da Capela. Ceramista criativa já alcançou notoriedade com suas esculturas. Como é natural, existe uma relação de seu trabalho com o do Mestre, mas também uma linguagem própria já consolidada pelo mercado. No trabalho de Sil, cheio de referências afetivas, a vida vai acontecendo aos pés das jaqueiras.