Entrevistamos Antonio Castro, estilista e idealizador da Foz, uma marca autoral que conecta brasilidade e design, fazendo a ponte entre a tradição e o contemporâneo. A marca foi fundada em 2020, a partir de seus estudos no curso de moda do Senac, em São Paulo. Sentindo a necessidade de trazer suas raízes alagoanas para a moda paulista, ele criou uma marca que exala cultura brasileira, troca justa, artesanato e criatividade. Em seu currículo, consultoria para Artesol, Flavia Aranha, Museu A Casa, Zizi Carderari, entre outros. Antonio nos conta sobre os desafios e conquistas desde que criou sua marca e um pouco da sua história.
Laura Landau -Antonio, o mundo da moda e do artesanato tem muita ligação, mas também são mundos bem diferentes. Como você iniciou a conexão desses dois mundos?
Antonio Castro – Eu sou alagoano, nascido e criado em Maceió até os 19 anos. Vim para São Paulo para fazer faculdade. E, desde muito cedo, eu sempre tive uma afeição estética pelo artesanato. O fato de ser de Maceió e de estar sempre transitando ali pela região da praia, o artesanato acaba tendo muito esse cunho da lembrança de viagem do suvenir, o que é bastante limitador para muitos grupos e muitos artesãos. Mas também tem um impacto econômico muito forte, principalmente nas cidades do litoral do Nordeste. Maceió não é diferente disso, tem muitos mercados de artesanato
Por outro lado, ao longo da minha infância, início da minha adolescência, eu encontrei na moda uma maneira de comunicar as minhas vontades, a maneira como eu enfim enxergava o mundo. Comecei a trabalhar com moda por volta dos 16 anos. Quando fiz 19 anos eu vim para São Paulo, cursar a graduação em design de moda. Fiz Senac e durante o curso da faculdade eu fui aos poucos entendendo como eu poderia encontrar ali uma identidade própria que me diferenciasse dos meus colegas. E hoje isso é muito mais falado no empreendedorismo, nesse universo de marcas tem que ter uma identidade, ter um discurso e ter alguma coisa para falar de fato. Na época, ter uma marca ou uma empresa estava absolutamente distante das minhas vontades, mas eu queria, de alguma maneira, destacar o meu trabalho daquilo que eu via ao meu redor. Aos poucos eu fui entendendo que o lugar de onde eu vinha, a minha bagagem cultural e as minhas experiências eram o que me faziam diferente de todo mundo aqui de São Paulo. Então comecei a buscar nesse meu backgroundessas referências que foram aos poucos, de uma maneira muito orgânica, me levando ao artesanato.
Se não me engano, em 2016, no museu A Casa do Objeto Brasileiro, estava tendo uma exposição chamada Casa Bordada com a curadoria do Renato Imbroisi, um trabalho lindo com grupos de bordadeiras do Brasil inteiro. E tinha escrito na parede uma frase do Leon Tolstói, que me acompanha até hoje: “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”. Se você quer falar com audiência muito maior começa olhando para o que está mais próximo de você. Isso virou o mantra da minha trajetória profissional. Dali para frente, até o fim do meu curso de graduação, eu segui fazendo esse resgate e revisitando as minhas referências de infância, de adolescência e, aos poucos, trazendo também para dentro das demandas o trabalho dos artesãos de Alagoas. Em vez de comprar uma renda da 25 de Março, eu ia atrás do grupo que fazia bordado filé e rendas em Alagoas e tentava encaixar isso dentro das demandas dos projetos acadêmicos.
No curso de moda, a gente faz um TCC teórico e prático, e a gente tem a pesquisa da monografia, mas tem também a construção de uma coleção. A minha pesquisa e coleção foram baseadas em uma viagem feita pela margem do São Francisco, de Piaçabuçu até Juazeiro na Bahia, onde eu fui mapeando os grupos que trabalham com artesanato nessas regiões. Passei pela Ilha do Ferro e Entremontes, que são até hoje lugares onde eu trabalho.
Laura Landau – E como foi a transição da faculdade para o mercado de trabalho?
Antonio Castro – Depois da faculdade, eu entendi que queria trabalhar com artesanato e não necessariamente com moda. Se eu pudesse encontrar esse ponto de convergência entre os dois, perfeito. Mas, se não houvesse essa possibilidade, eu estava mais interessado em estar junto dos artesãos do que de fato estar no setor da moda. Por experiências profissionais no campo da moda, entendi que tinha muito coisas das quais eu não concordava, então acabei entrando no mercado como designer de produto e não como estilista. Eu fui trabalhar com projetos mais voltados para a decoração, o design de objeto. Trabalhei com o Estúdio Avelós, que é uma iniciativa da Zizi Carderari, que trabalha com tecelagem no sul de Minas, em Carmo do Rio Claro, fazendo tear manual. Nesse momento, eu comecei a entender como funcionava essa ponte entre design e o artesanato, para além das escolhas estéticas. Como que a gente consegue acrescentar ao trabalho desses grupos, com uma pesquisa de tecnologia têxtil ou com a adequação de um determinado produto, um outro contexto do qual ele não foi inicialmente pensado. Acho que essa experiência profissional abriu muito meus horizontes. Trabalhei também com algumas consultorias para feira na Rosenbaum, by Kamy, Villa Nova Tecidos, sempre em parceria com grupos de artesãos, pensando produtos para clientes dessas marcas.
Laura Landau – Quais foram os principais desafios desse momento?
Antonio Castro – As marcas têm interesse em trabalhar com o artesanato, mas tem demandas muito especificas, clientes habituados a produtos não necessariamente artesanais e elas não sabem como fazer essa ponte. Depois, eu comecei a trabalhar com a Artesol, como designer para loja deles, a Artiz, desenvolvendo a coleção autoral deles em 2020 e 2021. A gente lançou no final de 2021, com oito grupos que fazem parte do mapeamento da Artesol. Fizemos esse trabalho totalmente remoto, num momento muito fechado de pandemia, e lançamos essas peças na loja e na plataforma da Artesol. Uma coleção que foi suada, mas que valeu muito a pena e teve um resultado muito bonito, mas sempre voltado para a decoração. Então a minha vontade era de ter esse retorno para a moda, sob as minhas condições. Queria voltar a trabalhar com moda, mas queria poder fazer o que eu estava fazendo com objeto, na roupa.
Laura Landau – E como foi a trajetória para a Foz?
Antonio Castro – Empreender nunca foi meu sonho, nunca foi minha vontade. Eu falo que eu comecei a Foz para encontrar um emprego que eu não achei no mercado, olhava ao redor e não via nenhuma outra marca fazendo isso da maneira que eu achava que tinha que ser feito. A gente tem, claro, marcas que trabalham com artesãos, de forma muito bonita e que inclusive muitas são referências para mim e que eu tive a oportunidade de trabalhar com elas, como a Flávia Aranha, até falo para ela que se ela tivesse me encontrado antes, eu podia ser dela, estaria lá até hoje (risos). Mas são iniciativas muito pontuais, são muito poucas marcas que fazem esse trabalho. Então eu idealizei a Foz para ser essa oportunidade e, a princípio, para ser um projeto paralelo, segui trabalhando com a Artesol ainda por um ano, enquanto a Foz já estava caminhando como um projeto muito pessoal, com lançamentos muito pontuais. Eu comecei a marcar em dezembro de 2020, 2021 foi um ano muito experimental, com esses lançamentos pontuais, até que no final daquele ano eu consegui lançar uma coleção mais robusta, nossa primeira coleção, e que mudou completamente a maneira da operação da marca passou a me demandar muito mais tempo em 2022. Até que em 2023, de fato, eu entendi que essa era a minha ocupação principal. Agora o meu foco é muito mais criar parcerias para Foz, quando surge alguma possibilidade de parceria, como com o Museu A Casa, a gente está conversando, a ideia é que seja um produto Foz mais Museu A Casa, e não que seja eu como designer, porque agora eu entendo que quando surgirem essas oportunidades que elas sejam também uma maneira de reforçar o branding da marca, a minha intenção é fazer com que a marca tenha um pouco também desse repertório para além de mim.
Laura Landau – Estive em Alagoas em junho, passei por Entremontes, em e vi resquícios da sua coleção anterior, dos peixes, na casa de uma das bordadeiras. E conversando com o pessoal eles me contaram um pouco de como foi esse processo, com as matrizes. Queria ouvir de você como é que você consegue unir esses dois mundos com tempos e necessidade muito diferentes.
Antonio Castro – À medida que a marca foi se profissionalizando eu fui entendendo também qual era o ritmo que eu conseguiria abraçar e como é que as coisas precisavam acontecer para eu viabilizar isso. Talvez isso seja um traço muito empreendedor, que é o de eu vou fazer dar certo, a gente vai se organizar e vai acontecer, porque não é possível que não dê certo. Eu vejo na moda, por exemplo, uma resistência muito grande de absorver o trabalho do artesão, com a desculpa de que é caro, leva tempo, não dá certo, são muitos processos… Sim, tem tudo isso, mas a gente vê muitos designers e muitas marcas que já conseguiram encontrar caminhos de fazer funcionar. E a gente vai conseguir também de alguma maneira que seja, não necessariamente, seguindo o calendário de lançamentos das marcas, do Brasil e do mundo. Porque a gente está discutindo o slow fashion, e movimentos que vão contra a corrente de uma indústria. Alinha todas as coisas, aos poucos a gente vai entendendo logisticamente como é que tudo pode acontecer. No caminhar da marca eu fui compreendendo qual era o melhor formato de trabalhar com as bordadeiras, fossem em aplicações e não abordando a peça inteira ou bordado na peça pronta, assim eu ganho tempo na produção com as costureiras aqui em São Paulo.
No momento, em Capela é onde eu trabalho hoje com mais força, por uma questão realmente de capacidade produtiva, com mais gente envolvida. Começamos sempre com muita antecedência a trabalhar nos bordados, para depois as peças serem confeccionadas. Eu entendi o meu calendário e consegui me adaptar a ele. Claro, eu sei que enquanto eu seguir esse formato, vou ter muitas limitações. Ao mesmo tempo, entendi também que dentro de um mix de produção, destinar uma porcentagem de peças para serem artesanais e outras não, algumas vão ser estampadas e que não levam nenhum tipo de trabalho artesanal, mas que de alguma maneira dialogam com o universo da cultura popular desse Brasil profundo. Acho que a graça da Foz é que os envolvidos são muito apaixonados pelo Brasil. E o artesanato é mais um pilar dessa paixão ele é mais uma maneira de expressar isso. A gente trabalha com artistas populares que desenvolvem uma série de pinturas e transformamos em estampa. A gente vai para os acessórios e trabalha com designers parceiros que compartilham também desse mesmo olhar. Eu não queria que fosse só uma marca de bordados, queria que os bordados fossem mais um fator integrante da construção dessas coleções. Não descobri tudo ainda. É erro e acerto, a gente vai descobrindo e vai incorporando.
Laura Landau – O mercado tem esse tempo exigente demais e você conseguir ter essa adaptabilidade de que o artesanato necessita é um desafio. Você acha que as pessoas estão muito acostumadas com processos industriais?
Antonio Castro – Com certeza. Por outro lado, eu entendi que uma das condições para o trabalhar acontecer é que primeiro temos que entender como adequar esses dois processos paralelos, mas também, de alguma maneira, fazer o artesão entender que o tempo que a gente tem aqui talvez seja diferente do dele. A gente precisa seguir um certo calendário, tem os lançamentos programados, precisamos que as coisas cheguem dentro de um determinado tempo. Tudo isso é conversando antes de começarmos a fazer qualquer produção. A gente se desdobra em partes, você me mandou uma parte, me manda outra parte depois e, assim, a gente vai se organizando. Acho que uma parte da entrega do nosso trabalho, vai além da encomenda e do pagamento. De uma certa maneira também estamos profissionalizando o trabalho desses grupos, para eles estarem capacitados a atenderem outras marcas. Isso as preparou para receber projetos muito maiores.
Laura Landau – A relação é muito importante quando a gente está falando de artesanato. Às vezes tenta-se padronizar as relações para trabalhar o mercado. O que você pensa sobre isso?
Antonio Castro – É muito particular. O desenho é a última coisa que acontece de fato, porque quem vai me dizer é qual é o meu limite é o próprio artesão. E esse limite, em geral, é desenhado pela intimidade que a gente cria nessa relação. Quanto mais o artesão se sente confortável para me conduzir e me dizer “O meu trabalho permite isso ou não permite isso” mais profundo vai ser o resultado que a gente vai ter.A partir dessa relação sólida já construída, é que a gente consegue realmente criar de fato, e eu gosto muito que o nosso trabalho seja baseado em criação, que não seja baseado em “Ah, o artesão, faz isso, deixa eu comprar isso e adaptar para o meu trabalho” Não é por aí. A gente desenvolve o desenho no computador, imprime e aí tem uma artesã especificamente lá em Entremontes que sabe fazer essa leitura do papel para o tecido, que não é fácil. Para ter essa troca, para ela se sentir segura de pegar esse pedaço de papel e fazer essa tradução, tem uma relação que é construída, fica nítido no nosso trabalho que quanto mais o tempo passa e a gente alimenta essa nossa relação, mais profundo nosso trabalho se torna. Porque é um fruto do que a gente está construindo num nível mais afetivo, de fato.
Sobre a relação com os grupos, na verdade, o que eu tento fazer é me comprometer a trabalhar com os mesmos grupos em todas as coleções. Do final de 2021 pra cá, eu venho trabalhando com quatro grupos de maneira permanente: Entremontes, Mimos de Dona Peró em Capela, Pontal Arte no Ponta do Coruripe e Inbordal em Marechal Deodoro. A gente trabalha em todas as coleções com esses grupos e o que eu faço é adaptar o saber fazer ao tema da coleção. Continuamos fazendo o mesmo filé com o mesmo trabalho, com a mesma linha, a gente muda cores, muda desenhos, adapta ali a construção do arranjo dos pontos para criar desenhos específicos que se relacionam com o tema daquela coleção. Mas justamente porque eu acredito nessa construção de longo prazo. que E de fato me comprometer a cada seis meses voltar para a gente fazer coisas novas, até aqui tem funcionado. Hoje, além desses quatro grupos com quem venho trabalhando desde 2021, também comecei a trabalhar com um grupo de patchwork em Maceió e com seu Eduardo Faustino, que fez as nossas estampas e que segue também agora pra essa próxima coleção desenvolvendo outras peças. Eu vou tentando manter todo mundo com quem estou me relacionando a cada coleção e casar as demandas pra cada um ter um pedacinho da coleção na produção.
Laura Landau – Por serem grupos criativos dos dois lados, eu queria entender justamente essa parte do processo de criação em conjunto.
Antonio Castro – É muito particular de cada grupo. Tem grupos que são mais abertos e que se sentem mais seguros de interferir criativamente. E tem outros que não, que querem receber tudo mais mastigado, vou tentando respeitar e entender como adaptar cada produção a cada demanda. Tem grupos com os quais eu preciso chegar com um desenho pronto e eu tento ali com eles trazer a escolha das cores, entender como é que a gente pode adaptar um ponto ou outro. Eles auxiliam muito na construção. Por exemplo, em Entremontes, na passagem do ponto para o tecido, existe uma adaptação de escala que eu não domino, então isso fica totalmente nas mãos delas, e elas podem fazer o que elas quiserem, substituir pontos, mudar a localização de uma coisa ou outra. Já tem outros como seu Eduardo ou com Getúlio Maurício, que é de Recife, em que eu só passo um briefing basicamente que é “a coleção, é sobre isso, pode fazer o que você quiser”. Então eles fazem o que eles querem. Com Getúlio tem sido uma troca incrível, ele é muito seguro do trabalho dele, ele conduziu exatamente da maneira que ele acha que tem que ser. Quando eu acho que está fugindo do tema, eu pontuo. No grupo de Capela eu levo os desenhos sem cor, a gente escolhe as cores juntos. Algumas coisas elas sugerem mudanças de pontos, mas em geral, o que eu sinto ainda é que os grupos são muito inseguros a de fato de colocarem ideias. Eles auxiliam nas escolhas e auxiliam na construção do que já vem, de certa maneira, resolvido e aí a gente vai, aos poucos, tentando tornar isso um pouco mais horizontal, mas ainda é um desafio.
O que eu fico muito feliz de ver, por exemplo, é que da forma deles, conseguiram adaptar muita coisa que a gente começou juntos. Então a dona Lourdes fica preocupada “Será que eu posso usar esse risco que você criou no meu trabalho?” Pode usar porque não vai ficar igual, não é meu, não é e nunca foi meu. Se a gente fez os peixinhos depois ela faz os peixinhos nas peças dela, e não fica igual, é outra linha, outro tecido, outra escala, é outro produto, é diferente. Eu acho que ela se apropriarem disso é o que de fato fica para além da relação comercial. Eventualmente eu faço os riscos da nossa coleção com elas e deixo lá pra dona Lourdes fazer o que ela quiser, que não são da Foz. Eu vejo que de alguma maneira a construção da imagem da Foz inspira alguns grupos a seguirem caminhos parecidos, com relação a produtos ou de comunicação ou como eles fazem as fotos. Acho muito positivo.
Uma coisa que ficou para elas e que eu fiquei muito feliz, foi que no começo da marca o primeiro bordado que a gente desenvolveu era uma mistura de pontos entre boa-noite e rendendê. O rendendê é um cartão postal de Entremontes, mas elas dominam também, o labirinto, o boa-noite, o ponto cruz, entre outras coisas. Propus uma mescla de pontos e que elas fizessem essa mistura nas camisas que a gente estava fazendo no primeiro lançamento da Foz. Pouco tempo depois, vi elas começando a se arriscar nisso nas toalhas de mesa, nas passadeiras de mesa e misturar o rendendê com o boa-noite. Abrir esse horizonte para mim foi o melhor, porque aí elas começam a explorar uma técnica que está ali há tanto tempo e a reinventar a maneira de usar o mesmo conhecimento, que é o que a gente quer. Mas elas vão seguir fazendo cama, mesa e banho, toalhas rendadas, as coisas que elas adoram fazer. Não vão deixar de fazer isso quando elas começam a trabalhar comigo ou com qualquer outra marca. É mais um braço para o trabalho delas. Se elas conseguirem pegar alguma coisa disso que a gente está fazendo juntos, incorporando no trabalho delas, aí eu acho que é o ideal.
Laura Landau – Agora eu queria saber o lado do mercado. Em São Paulo como os clientes recebem esse tipo de produto?
Antonio Castro – Apesar do produto ter o artesanato incorporado, eu sinto que a gente acaba não participando do boom do artesanato da pandemia e do pós, porque não é necessariamente artesanato o resultado final. As dificuldades que eu tenho são diferentes das de quem tem loja de artesanato. Tenho um grande amigo, que tem um projeto também comercial, a gente conversa muito, as questões dele são diferentes das minhas. Apesar da gente ter o artesanato incorporado no produto, , ele não é inteiramente feito de artesanato. Até em relação à precificação, acho que o cliente que compra a roupa não questiona a precificação da minha roupa da mesma maneira que ele questiona a precificação do lojista de artesanato, tem toda uma outra dinâmica, apesar da gente vender para a mesma pessoa muitas vezes. A pessoa que é apaixonada pelo artesanato na decoração também acaba vestindo a peça que contém algo de artesanato. Mas acho que são dinâmicas paralelas, de alguma maneira quem compra o produto além de gostar de artesanato é alguém que gosta muito de cultura brasileira, que gosta muito de cultura popular, que entende o artesanato como uma expressão dessa cultura, mas não necessariamente é aquele consumidor do artesanato que é apaixonado por artesanato. A gente acaba ficando no lugar do exótico e do verão, por ser uma roupa de linho, por ser uma roupa muito inspirada no Brasil. Nosso público está em São Paulo, o produto é melhor aceito, ele é muito melhor vendido, é muito melhor compreendido aqui. Apesar de imageticamente o produto não ter nada de São Paulo, né? Não tem nada de metrópole, de cosmopolita. A aceitação tem sido muito positiva, porque acho que as pessoas estão numa movimentação de comprar com mais consciência, de entender de onde vem o que elas compram, entender para onde o dinheiro dela está indo. Desde o começo, a gente tem trilhado uma trajetória comercial muito consistente, muito equilibrada. Mas os desafios seguem. Às vezes tem algumas variações nas peças, então a gente não põe a peça no site, põe a peça só na loja física, então quem está comprando aquela peça sabe o que está levando, está vendo e tocando. A gente tem que entender também como driblar um pouco esses obstáculos e se adaptar à realidade do varejo, que é complicada, mas eu acho que a vantagem, talvez, do produto nesse formato em que a gente faz é que ele permite uma reprodutibilidade mais fácil do que do lojista que vende artesanato. Eu tenho uma amiga que tem uma loja, e ela fala que não consegue vender no site porque nunca recebe dois produtos iguais. Então ela vende pelo WhatsApp. No nosso caso, a gente está falando de um bordado que está em um pedaço da peça, e a peça como um todo vai sair uma igual a outra, porque a gente trabalha na escala industrial.
Laura Landau – Você acha que existe um trabalho de educar também o consumidor sobre o produto ou você acha que esse consumidor já vem mais educado em relação a peças mais autorais, artesanais?
Antonio Castro – Eu acho que têm os dois tipos. O tipo de consumidor que já procura e chega no nosso trabalho. Este já tem um background de consumo de marcas parecidas ou de produtos parecidos, de um universo de consumo que dialoga com o nosso trabalho. De alguma maneira ele já habita esse universo. Por um outro lado, eu acho que o consumidor está procurando ser educado, então quando alguém vem aqui eu não vendo falando que “Ah essa peça veste superbem, valoriza essa parte do seu corpo”. Eu falo de onde ela veio, como ela é feita, de onde é o tecido, porque a gente escolheu esse tecido, porque o corte é desse jeito e porque tem a ver com o tema da coleção. Essa pessoa, de alguma maneira, está procurando esse tipo de diálogo na venda, está procurando ser educado sobre aquilo e se não houvesse essa troca eu acho que nem haveria venda, porque acho que tem tanta marca fazendo tanta coisa bonita que a decisão de compra está muito mais no discurso e na maneira como aquele produto nasceu, , não no apelo estético daquilo. Claro que gente tem que gerar desejo através do apelo estético também. O produto só pelo discurso não se sustenta, mas é o que de fato vende é, essa troca. Aqui todas têm tags que falam sobre quanto tempo o artesão trabalhou, onde é que ele está, t tem QR Code que leva para o site e fala uma breve biografia de cada artesão. Então eu acho que esse processo de educação é o que o cliente já está procurando e eu faço isso com muito prazer, acho que é parte do trabalho.
(Entrevista realizada por Laura Landau, analista do CRAB, designer de produto e mestre em ciências ambientais e biomimética)